Artigo – Renda Emergencial no RS: o primeiro passo de uma grande caminhada

Dentre as várias lições que a vida nos oferece, e com o passar do tempo se mostram verdadeiras, estão a de que toda luta, quando justa, vale a pena, que nunca devemos abdicar dos nossos sonhos e que sempre haverá espaço para avançarmos naquilo em que acreditamos. A aprovação, por unanimidade, na última terça-feira (6), pelos deputados e deputadas estaduais gaúchos, do projeto de lei do governo estadual que institui no Rio Grande uma ajuda emergencial a alguns setores econômicos e a pessoas de baixa renda, evidenciam esse ensinamento, mesmo que ele nem sempre se mostre visível.

Apesar de restrito e de ter ficado a léguas de distância do que vimos defendendo há mais de um ano, assim como longe da real necessidade das parcelas da população fortemente atingidas pela pandemia, a aprovação do projeto precisa ser comemorada. Para isso é preciso que tenhamos em mente de que não havia nada neste sentido no RS, que agora integra a lista de mais de uma dezena de estados brasileiros que estão concedendo algum tipo de apoio financeiro às suas populações nesta terrível crise da covid-19. É preciso que não nos esqueçamos que a ajuda federal, finalizada em dezembro passado, somente agora voltou a ser oferecida, mas de forma reduzida na quantidade de beneficiários e de valores pagos. É preciso que tenhamos sempre em nosso horizonte que renda, principalmente aos mais pobres, é a diferença entre ter ou não a fome batendo na porta, é não ter que negar diante do pedido de um filho por um pedaço de pão.

Para mim, mesmo discordando da forma e alcance, a aprovação do projeto foi uma vitória, uma espécie de 1×0 em favor dos menos favorecidos num jogo que começou a ser disputado ainda em novembro de 2019, numa conjuntura distinta da atual, quando apresentamos no Parlamento estadual um projeto de lei com vistas à instituição de uma política estadual de renda básica. Nesta analogia, porém, no segundo tempo da partida, surgiu em campo um adversário que não estava escalado, estranho na forma, invisível aos nossos olhos, mas cheio de energia para entrar no jogo, roubar a bola e, até o momento, se mostrar forte.

Mas como nos ensina a vida, sabíamos que não poderíamos desistir. E em resposta a esse indesejado oponente, cerramos fileiras em defesa do SUS, da ciência e das medidas, por vezes duras e necessárias, para tentar freá-lo, reduzir seu poder de fogo e dar uma chance à vida. Essa resposta dada por nós também incluiu, em março do ano passado, a apresentação de outra proposta, desta vez mirando numa ajuda emergencial, que beneficiasse os mais vulneráveis em complemento à ajuda que Brasília fora obrigada a oferecer diante da pressão da sociedade e dos partidos de oposição. Mas apesar da justeza e da urgência, ambas as matérias continuam em tramitação pelos escaninhos das comissões de análise. Coisas da política. O que mais importa é que, de um jeito ou de outro, o Executivo aderiu à causa que insistimos e mobilizamos.

A vitória da última terça-feira precisa agora ser implementada o quanto antes, assim como é fundamental mantermos a luta para que o governo ouça o lamento daqueles que sobrevivem abaixo da linha da pobreza e dê uma chance ao debate da construção de uma renda emergencial realmente digna. Estamos falando de um contingente de cerca de 350 mil famílias de gaúchos e gaúchas, estamos falando não somente de pessoas que precisam, mas que estão amarradas à insegurança alimentar, um verdadeiro exército de marginalizados invisíveis a parcelas da sociedade, principalmente aquelas que defendem um estado mínimo e cuja vida está despregada de uma realidade que teima em se mostrar bruta, quiçá insana.

Enquanto não encararmos de frente a nossa desigualdade social, cujo fosso ficou ainda mais profundo com a pandemia, enquanto levarmos adiante a máxima do cada um por si, enquanto nossos governantes avaliarem que esse tipo de ajuda é um mero favor e não uma obrigação, não sairemos dessa roda vida que mói esperanças, se retroalimenta com a injustiça social e ignora o desespero de pais e mães impotentes em levar o sustento aos seus.

Enquanto houver pobreza e fome, não podemos cruzar os braços e deixar de lembrar ao Sr. governador que somente no fundo AMPARA, criado para tal fim, o Rio Grande possui R$ 379 milhões à espera de utilização, que pode atender um número infinitamente maior que somente as 8 mil pessoas – fora as empresas – que receberão a ajuda por conta das inúmeras restrições impostas pelo projeto. E que este utilizará somente 6% dos recursos alocados para atender quem está abaixo da linha da pobreza.

Mas de tudo isso tiramos uma importante lição: com a pressão feita demonstramos que é possível incluir os pobres no orçamento público, minimizar a fome e oferecer esperança aos carentes por um punhado de dignidade. O contrário disso é assinarmos uma declaração de cumplicidade com o descaso e com o sofrimento de milhares de famílias que hoje têm um único direito: o de sobreviver na miséria e à margem do que entendemos como sociedade.

Foto: William West/AFP

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)