Por Valdeci Oliveira –
Mesmo diante da pior pandemia vivida pela população brasileira e gaúcha em um século – que gerou milhares de mortes e produziu vertiginosa queda na renda da população -, o governador Eduardo Leite volta a apresentar ao parlamento estadual um conjunto de medidas tributárias que irão aprofundar, ainda mais, o já fundo poço em que nos encontramos. Em resumo, duas medidas que não dialogam com o incentivo à produção, com a justiça fiscal e social e com o cumprimento de uma das funções básicas do Estado, que é o de oferecer serviços públicos de qualidade a toda a população.
Ao se colocar em público como um gestor moderno, o governador se agarra a uma receita que já se mostrou ineficaz em vários governos anteriores: taxar o consumo, aumentar impostos que o empresariado fatalmente irá repassar à população, que inibe o investimento privado e cobra mais dos micro e pequenos negócios em detrimento dos setores mais aquinhoados. E assim como o real quadro da pandemia de covid-19 no estado, que nos mostrou o caos sanitário que verdadeiramente nos encontramos, o governador esperou o fim do segundo turno das eleições municipais para enviar ao parlamento uma série de projetos. E retardou seu envio porque sabia que a população ficaria revoltada e poderia atrapalhar os planos dos candidatos do seu partido. De maneira clara, estamos vivenciando mais um estelionato eleitoral.
Por outro lado, nem mesmo como forma de minimizar o pesado fardo já carregado pela sociedade, não encaminhou nenhuma medida em direção à geração de empregos ou à proteção social da população vulnerável. É como se o governador vivesse numa realidade paralela em que não existem problemas urgentes que afetam diretamente a vida da população gaúcha. E como uma espécie de Robin Wood às avessas, propõe aumento de gratificações a feudos de servidores já instalados no patamar dos maiores salários pagos pelo estado.
Mesmo entre os partidos que lhe apoiam, os projetos encontram certas resistências, não significando que serão reprovados, pois o cálculo político é sempre complexo. Os aliados do governador não ignoram, por exemplo, que a receita extra que o governo irá amealhar ainda neste ano pode chegar perto de R$ 6 bilhões. Todo esse dinheiro viria do apoio do governo federal, que liberou auxílios aos estados e municípios para compensar perdas arrecadatórias advindas da retração econômica da pandemia.
A isso também é preciso somar o que o governo deixará de desembolsar com a reforma da previdência aprovada por sua base no início de 2020, o aval que obteve para utilizar o fundo previdenciário (conta a ser paga adiante por outros governos), e o projeto de reforma na previdência dos servidores militares, cuja avaliação é que venha a ser aprovado. Muitos acreditam, inclusive, que o grande objetivo, com tudo isso, é fazer caixa para que o piloto desse processo chegue em 2022 apresentando muitas obras e tendo fôlego eleitoral para voos bastante altos e além dos limites do Mampituba.
Não é segredo que o governador Leite apoiou a eleição do negacionista que hoje ocupa a presidência da República. Assim como é público seu apoio à política econômica ultraliberal do ministro Guedes, que a cada dia rifa lucrativas empresas estatais e importantes conquistas sociais do povo. Muitos falam, à boca pequena, e parece que com razão, que Leite é uma espécie de “Bolsonaro de sapatênis”, pois as diferenças entre ambos se resumem a algumas pequenas pautas de costumes, à polidez e às roupas bem cortadas do gaúcho.
No início da sua gestão, como demonstração de boa vontade em ajudar o governo que começava, juntamente com a minha bancada, votei pela manutenção das alíquotas de ICMS (que perderiam a validade e significariam queda de arrecadação). Agora votaremos contra a prorrogação da medida, pois passados dois anos, essa gestão se mostrou especialista em tirar direitos dos trabalhadores e renunciou à construção de alternativas viáveis e justas.
Além do pacotaço de aumento de impostos, o governador busca incluir na Constituição Estadual a versão federal do chamado teto de gastos. Ela irá impor limites fiscais cujos reflexos negativos serão sentidos a cada ano pela população, que assistirá pela próxima década a deterioração dos serviços públicos. Pela proposta, o orçamento anual do governo gaúcho somente poderá ser reajustado pela inflação acumulada no ano anterior, ignorando o crescimento das demandas e do subfinanciamento dos serviços públicos. Mas o interessante é que ela não afetará as políticas de benefícios fiscais às grandes corporações empresariais nem ao que deverá ser destinado para o pagamento das dívidas estatais junto ao sistema financeiro. Tivesse o governador consciência de como está vivendo a maioria da nossa população, de quão é degradante para uma mãe de família não ter o que levar para casa no fim do dia ou de como estão tentando sobreviver os pequenos negócios, certamente o rumo seria outro.
A verdade é que o Brasil paga muito caro pelo desgoverno de Bolsonaro, e o Rio Grande também já sente com força, e no bolso, os efeitos da gestão “Bolsoleite”.
Foto: Arquivo CUT/RS
(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)