Artigo – A postura de avestruz não serve ao Rio Grande

Por Valdeci Oliveira –

Revolta, indignação, protesto, disposição para a luta e muita informação baseada em levantamentos técnicos e científicos marcaram a  audiência pública por mim proposta e realizada na última quarta-feira (30) pela Comissão de Saúde e de Meio Ambiente do Parlamento gaúcho para avaliar as condições sanitárias para o retorno, como quer o governador Eduardo Leite, às aulas nas escolas do RS. Foi mais uma tentativa da sociedade gaúcha em chamar o governador à razão.

Num momento em que o estado e o pais ainda enfrentam uma pandemia que já tirou a vida de mais de 140 mil brasileiros, não poderia me furtar da obrigação, enquanto cidadão e parlamentar eleito pelo voto popular, de colocar, mais uma vez, esse importante tema em debate público e transparente, com a participação das inúmeras forças vivas da nossa sociedade, que integram o que chamamos de comunidade escolar.

Nesse encontro aberto, todos os argumentos utilizados pelo governador para sustentar sua insana postura de obrigar a sociedade a retomar as atividades presenciais em salas de aula foram contestadas à luz da ciência por educadores, representantes de sindicatos, federações e confederações de trabalhadores da educação, entidades estudantis, médicas, profissionais de saúde, universidades e Ministério Público.

Durante mais de duas horas de manifestações, ficou patente que não temos neste momento as condições mínimas para um retorno às salas de aula com segurança. Estamos falando de um processo que envolve a mobilização de cerca de 25% da população gaúcha. E essa ausência de condições se dá, principalmente, pela falta de ações efetivas do governo estadual para com a área educacional, além, é claro, pelo quadro epidemiológico existente hoje na maioria do RS.

É oportuno sempre recordar que, diante de um ambiente marcado por incertezas, o princípio da precaução deveria prevalecer. As experiências pelo mundo nos mostram que quem voltou sem as condições sanitárias adequadas e queda significativa nas taxas da doença teve que recuar.

O governador Eduardo Leite avalia como positivo o retorno às aulas baseado no Sistema de Distanciamento Controlado, mas esquece que o modelo de bandeiras foi criado para evitar o colapso do sistema hospitalar, não como indicador apropriado para mensuração da taxa de transmissão do coronavírus, como bem observou dias atrás a Sociedade Riograndense de Infectologia. Leite avalia como positivo o retorno às aulas mesmo o estado não dispondo de um plano de ampliação de testagem e de monitoramento de aumento de contágio em alunos, professores e funcionários.

Durante a audiência, ficou claro que qualquer normativa para um retorno seguro necessita de amplo planejamento e articulação com gestores, controle social, comunidade escolar e serviços de saúde. O governo sequer está levando em conta que cerca de 40% dos educadores e funcionários de escola integram grupos de risco e que, apesar da pandemia ter apresentado certa estabilidade, continuamos num platô cujos números ainda são assustadores.

Nos choca ainda o fato de o governador fazer ouvidos moucos para os alertas de integrantes do Comitê Cientifico de enfrentamento à pandemia, cujo objetivo é justamente apoiar gestores e a sociedade na tomada de decisões. O Comitê advertiu que uma reabertura das escolas precisa levar em consideração a necessidade da pandemia estar totalmente controlada. No lugar de ponderar, transfere a responsabilidade a prefeitos, pais e direções de escolas. A postura de avestruz, que é de enterrar a cabeça no chão para evitar olhar o perigo, fez com o governador não chamasse nem mesmo o CPERS para conversar nesse processo, assim como ignorou as posições do Conselho Estadual de Educação, do Conselho Regional de Medicina e do Conselho Nacional de Saúde.

Com diálogo, poderemos evitar o que já aconteceu em Manaus, que depois de 20 dias de retomada das atividades registrou 600 educadores contaminados. Aqui no estado, foram registrados inúmeros contágios e óbitos junto à categoria mesmo com a atuação em regime de plantões.

Na prática, aquele que foi eleito para governar está chamando a comunidade escolar e as famílias para que assumam os riscos advindos de um retorno sem que existam, em quantidade suficientes, equipamentos de proteção individual, verbas para compra de materiais de sanitização e recursos humanos e de infraestrutura. Eu repudio por completo o desprezo do governo Leite pela ciência e pela medicina e reforço aqui o sentimento que impera junto à comunidade escolar do RS: vidas precisam ser preservadas.

Suspensão já do calendário anunciado de retorno às aulas!

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)