Por Valdeci Oliveira
A cada início de ano diversas categorias profissionais gaúchas aguardam com certa ansiedade o envio à Assembleia Legislativa do projeto de lei do governo estadual que irá estabelecer o reajuste do chamado piso regional. Para 2020, o Palácio Piratini propõe um reajuste de 4,5% como reposição da inflação, que sabemos todos ser insuficiente para manter o poder de compra de quem o recebe. Já as centrais sindicais reivindicam um índice de 8,12%, percentual que engloba o reajuste do salário mínimo nacional mais a diferença entre a relação do menor piso regional e o mínimo nacional vigente em 2001 e em 2018. Não estamos falando de altos salários ou de ganhos irreais ou absurdos, mas de valores que variam hoje entre pouco mais de R$ 1,2 mil e R$ 1,5 mil, em suas cinco faixas.
Mesmo se tratando de valores que apenas garantem certa dignidade e sobrevivência de milhares de famílias, há muita resistência por parte do governo e do empresariado gaúcho em aceitar a proposta dos representantes dos trabalhadores. Aliás, dentro do governo e das entidades de classe patronal, a opinião corrente é que o piso regional sequer deveria existir.
O piso regional foi instituído no Rio Grande do Sul em 2001, pelo então governador Olívio Dutra, a partir da possibilidade garantida em lei federal. A ideia de sua criação foi destiná-lo a categorias de trabalhadores e trabalhadoras que ganham pouco e não possuem dissídio coletivo, ao mesmo tempo que funciona como um importante indutor para o aquecimento econômico regional. Quem o recebe gasta em consumo no próprio comércio local das cidades em que residem – e não na Disneylândia -, gerando impostos e movimentando a produção. Os contrários à proposta alegam que o chamado setor produtivo, principalmente as micro e pequenas empresas, não têm como arcar com esse custo.
A esse argumento há vários outros que vão em direção contrária. Entre eles, o de que renda maior significa consumo maior, que consequentemente irá refletir positivamente na indústria, na produção e no comércio de alimentos, bens e serviços, o que irá gerar mais impostos para os cofres públicos, crescimento, fortalecimento das empresas e empregos. É o que chamamos de “girar a roda da economia”.
Fora essa constatação, há outras. Basta lembrarmos que as promessas feitas pelas entidades representativas da iniciativa privada como Febraban (bancos), CNA (agricultura), CNI (indústria) e Fecomércio (comércio e serviços), entre outras, assegurando que haveria crescimento econômico e geração de empregos se a reforma trabalhista – que retirou uma infinidade de direitos e garantias sociais dos trabalhadores – fosse aprovada. A reforma da previdência, que praticamente acabou com as chances de uma aposentadoria digna, foi outra promessa feita por esses mesmos grupos, mas assim como as demais não gerou empregos ou crescimento econômico. Dos pouco mais de 640 mil postos de trabalho registrados em 2019, mais de 80 mil foram via modalidade intermitente, com uma média de remuneração de R$ 800 mensais. O restante ficou na casa dos R$ 1,5 mil por mês. Na prática, todas essas medidas tiraram foi do bolso de quem trabalha e não de quem contrata.
No parlamento gaúcho, estamos trabalhando no convencimento, principalmente de alguns parlamentares da base aliada do governador Eduardo Leite, de que, além da necessidade, há também a possibilidade concreta de o setor produtivo absorver a reivindicação dos trabalhadores. Em Santa Catarina, estado vizinho que é considerado por muitos como um referencial de desenvolvimento, foi aprovado um reajuste médio de 4,97% no Piso Regional para 2020. Lá, há 10 anos, patrões e empregados definem por consenso o valor dessa recomposição salarial.
Que o Rio Grande siga no caminho da valorização do piso, medida que beneficiará 1,5 milhão de gaúchos e gaúchas do campo e da cidade, e reforce a visão de que pagar salário digno a trabalhador fortalece a economia. Infelizmente, ainda vivemos em um país onde pessoas que lucram R$ 100 mil ou mais por mês tentam “vender” a cantilena de que os problemas financeiros nacionais são causados por quem ganha R$ 1 mil mensais. Não caia nessa bravata.
(Foto: Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini)