O auditório do Centro de Referência de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter lotou para receber, na manhã desse sábado (30/11), a segunda audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa nesta semana para debater a chamada renda básica. A atividade teve como convidado especial o ex-senador e atual vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy, que é o autor da Lei da Renda Básica de Cidadania, sancionada em 2004 pelo ex-presidente Lula. O parlamentar esteve acompanhado pelo presidente da Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB), Leandro Ferreira, e a diretora de Relações Institucionais e Internacionais da RBRB, Paola Carvalho.
Ao abrir a audiência em Santa Maria, o deputado estadual Valdeci Oliveira, proponente do encontro, confirmou a apresentação de um projeto de lei, no Parlamento gaúcho, que institui uma política estadual de renda básica no RS. A proposta, inclusive, foi protocolada por Valdeci, ao lado de Suplicy e de Olívio Dutra, na audiência pública realizada em Porto Alegre, no dia anterior, sobre o mesmo tema. Segundo o parlamentar, a iniciativa tem como objetivo fundamental definir diretrizes diante do crescente empobrecimento da população e aumento da miséria no Brasil. “É um compromisso com a luta social. É um instrumento de pressão que os mais pobres voltem a ser incluídos nos orçamentos e na agenda do país”, afirmou Valdeci.
Na sua manifestação, Suplicy ressaltou a importância do Rio Grande do Sul ser protagonista na mobilização pelo enfrentamento à desigualdade social e citou o microcrédito, a reforma agrária e a própria economia solidária como ferramentas de estimulo para se elevar o grau de justiça social. O Bolsa Família foi outro exemplo citado, pois o programa seria o primeiro passo do projeto da Renda Básica, que prevê sua implementação por etapas, com a concessão de uma renda primeiramente aos mais necessitados. A diferença é que enquanto o Bolsa Família exige condicionantes para que a pessoa usufrua do benefício, como vacinação dos filhos e frequência escolar, a Renda Básica e Universal propõe que esse seja um direito a ser concedido a todos os brasileiros e brasileiras. “A riqueza de um país pertence a todos que moram nele, independentemente da sua condição social, sexo, idade ou religião”, afirmou Suplicy.
Para demonstrar a importância desse tipo de política pública de distribuição de renda, tanto para os municípios quanto para as famílias carentes, Suplicy voltou a citar o Bolsa Família. Segundo dados oficiais, Santa Maria teria hoje 7.996 famílias aptas a receberem o auxílio, mas somente 6.084 estão cadastradas e tiveram, em outubro, um benefício médio R$ 164 mensais, que contabilizaram R$ 999 mil, que circularam na economia do município por conta do programa. “Se todos que preenchem as exigências recebessem, teríamos um total R$ 1,3 milhão mensais que iriam para o comércio e para a economia local”, apontou.
Recepcionado pela Irma Lourdes Dill, coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança da Arquidiocese de Santa Maria, Suplicy, acompanhado dos deputados Valdeci e Paulo Pimenta, visitou os diversos estandes de agroindústria familiar, de hortifrutigranjeiros e artesanato instalados no Centro de Referência. Antes ainda, conversou e se solidarizou com professores e alunos de escolas estaduais que realizavam um protesto pacifico em frente ao local contra as medidas do pacote do governador Eduardo Leite que retiram direitos e conquistas dos educadores do estado.
Ao final da audiência, com o público todo em pé e acompanhando em coro Suplicy, o plenário cantou uma das mais canções-símbolo do cantor Bob Dylan, Blowin’ in the Wind, canção que se tornou uma espécie de hino antibelicista.
EXPERIÊNCIAS – Na audiência pública, foram citadas também experiências de concessões de benefícios financeiros com perfil econômico ligado à renda básica que vem sendo desenvolvidas em países como Canadá, Estados Unidos, Austrália, Reino Unido e Índia. No Brasil, o caso mais avançado é o do município de Maricá, no Rio de Janeiro. Com 150 mil habitantes, a prefeitura colocou em prática uma proposta que pode se transformar em uma referência de inclusão social no país. Neste ano, o poder executivo local anunciou que 50 mil pessoas passariam a receber uma RBC correspondente a R$ 130 por mês. O objetivo é ampliar o programa para que, até 2021, toda a população receba o benefício. Para estimular que esses recursos sejam gastos na própria cidade, foi criada, inclusive, uma moeda social e um cartão magnético, ambos aceitos pelo comércio local.
FINANCIAMENTOS – Entre as possíveis – e legítimas – fontes de financiamento para o RBC no Brasil defendidas pelos apoiadores dessa ferramenta de inclusão social, estão a taxação de grandes fortunas e herança, que no Brasil ou são isentas ou estão em patamares muito inferiores àquelas praticadas em países europeus e no próprio Estados Unidos. Outra fonte significativa são os recursos do pré-sal, cuja riqueza é calculada em R$ 14 trilhões, mas desde 2016, com alterações na lei, está privilegiando as empresas internacionais de exploração de petróleo e não o conjunto da população brasileira.