Valdeci e Zé Nunes reativam Frente em Defesa da Reforma Psiquiátrica

O aumento da demanda por cuidados e atendimento à população em relação à saúde mental, principalmente em virtude da pandemia, e as frequentes mobilizações de segmentos sociais conservadores cujo foco é o retrocesso da legislação, tanto em âmbito estadual como federal, levaram os deputados estaduais Valdeci Oliveira e Zé Nunes e, ambos do PT, a reativarem, na Assembleia Legislativa gaúcha a Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Psiquiátrica. O ato oficial de instalação da Frente ocorreu na tarde desta segunda-feira, 28, e contou com a participação, além dos parlamentares proponentes e do deputado Jeferson Fernandes, da deputada federal Erica Kokay (PT), coordenadora da Frente Parlamentar Ampliada em Defesa da Luta Antimanicomial, Reforma Psiquiátrica e Saúde Mental da Câmara dos Deputados, e do Roque Júnior, do Fórum Gaúcho de Saúde Mental (FGSM) e Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), entre outras lideranças do setor. Por conta das medidas de distanciamento social, a solenidade ocorreu de forma mista, sendo que a maioria dos participantes compareceu de forma virtual.

Segundo os deputados proponentes, a retomada das atividades da Frente, que na legislatura passada fora coordenada pelos ex-deputados Adão Villaverde e Stela Farias, também se deve à iminência de uma nova Conferência Nacional de Saúde Mental, prevista para 2022, os 30 anos do Fórum Gaúcho de Saúde Mental e às duas décadas da Lei Nacional da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216 de 2001). “A sociedade precisa ficar alerta, pois, apesar dos avanços inquestionáveis da Lei 10.216, há muitos interesses políticos e econômicos se voltando pelo retrocesso, para que se volte a tratar as pessoas com quaisquer distúrbios de forma que estas fiquem isoladas da comunidade e do convívio social”, afirma Valdeci, destacando que a Frente hoje instalada contou com o apoio de 73 organizações da sociedade civil.

Avanços na legislação
Somente no RS, a legislação abarcada pela Reforma Psiquiátrica fez com que se criasse aproximadamente 270 serviços especializados de Atenção em Saúde Mental – além de inúmeras ações de cuidado na Atenção Básica e rede hospitalar – espalhados por todas as regiões do estado e promovendo cuidado e atenção no território dos usuários e usuárias, sem abrir mão do direito humano à liberdade.  Zé Nunes e Valdeci lembraram também que existe uma proposta de revogação da legislação, que chegou a ser assinada pelo ex-ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazzuello, e que objetiva acabar com programas como “De volta pra casa”, com equipes do “Consultório na Rua”, com serviço residencial terapêutico, além de CAPS assistenciais a usuários de álcool e outras drogas. “Só voltaram atrás, e mesmo assim de forma temporária, porque houve uma grande repercussão negativa junto a várias entidades da sociedade civil e conselhos profissionais ligados à saúde mental”, destacou Zé Nunes.

Desmonte das políticas públicas
Tanto Valdeci quanto Zé Nunes procuraram ressaltar em suas falas que a saúde e as políticas sociais como um todo sofrem, desde 2016, um processo de grave desmonte no país, que é vendido para opinião pública como uma necessária redução de gastos para o Estado não quebrar e para a economia não desaquecer. Para os parlamentares, se trata de uma falácia. “E é nosso dever mostrar que esse modelo que desmonta a saúde, a saúde mental, a educação, a assistência social, a agricultura familiar e as políticas sociais como um todo não aquece a economia, não gera empregos e é responsável, sim, pela fragilização da vida e pelo adoecimento de muitos brasileiros e brasileiras, especialmente os mais vulneráveis. Nós vamos enfrentar essa realidade como mais desmontes das políticas de saúde e de saúde mental, com mais cortes orçamentários e mais ajustes fiscais?”, indagou Valdeci. Na mesma linha, Zé Nunes defendeu o fortalecimento da luta antimanicomial, a qual, no Estado, conta com uma ação muito forte do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, que completou 30 anos de atuação neste ano. “Que a Frente em Defesa da Reforma Psiquiátrica reforce essa luta, que é coletiva, que é plural, que é civilizatória. Criar depósitos de gente espalhados pelo país só vai excluir milhares de pessoas do direito à saúde e do direito à vida, o qual é previsto na nossa Constituição Federal e que deveria ser seguido por todos”, destacou Zé Nunes.

Painel de debates
Após a solenidade de instalação da Frente, foi realizado o painel “Amai-vos uns aos loucos: histórias e desafios em saúde mental”, que reuniu nomes como Sandra Fagundes, psicóloga e psicanalista e ex-secretária da Saúde do RS; Pedro Delgado, professor, médico psiquiatra e ex-coordenador nacional de saúde mental do Ministério da Saúde; Sandra Lopes,  representante dos familiares do Fórum Gaúcho de Saúde Mental; Leonardo Pinho, presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) e ex-presidente do Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH); Ana Maria Pitta, da Universidade Católica de Salvador e consultora em saúde mental da Organização Pan-Americana da Saúde;  Marcos Rolim, ex-deputado e professor de pós-graduação em Direitos Humanos da UniRitter; Claudionei Ferreira, da Associaçãodos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Pelotas (Assumpe); e Dirceu Luis Rohr, oficineiro da Geração de Trabalho e Renda na Reabilitação Psicossocial (GerAção PoA). A atividade também contou com a intervenção artística feita pelo ator e diretor de teatro Cid Fernandez Curte Branco.

Nas diversas falas, foi destacado que o modelo tradicional de internações ainda é discutido e extremamente controverso, com base na ampla rede de denúncias recorrentes da mídia, dos Fóruns de Saúde Mental e evidenciadas por um conjunto de inspeções realizadas em hospitais psiquiátricos. De acordo com essas informações, uma grande parte destas instituições não possui estrutura minimamente adequada para funcionamento, como aponta o resultado publicado no relatório conjunto de 2018 do Ministério Público do Trabalho, Conselho Federal de Psicologia, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e Conselho Nacional do Ministério Público. Na época, o relatório trouxe à tona inúmeros casos de uso excessivo de contenções físicas, pacientes submetidos a castigos e até mesmo relatos de casos de trabalho forçado e denúncias de estupro. “O Brasil precisa reconhecer seus holocaustos e os manicômios são um deles, que representam um período traumático de apartação, de asilamento e de hierarquização dos direitos humanos. Nenhum passo atrás. Manicômios, nunca mais”, afirmou Erika Kokay.