Com o plenário da Câmara de Vereadores de Santa Maria ocupado por estudantes, professores, lideranças comunitárias e integrantes de associações de bairro e de recicladores locais, além de representantes da Fiergs, Sindilojas, Universidade Franciscana (UFN) e UFSM, a coleta seletiva do município foi o principal tema da audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa na noite dessa segunda-feira (4). Promovida pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente (CSMA) do Parlamento gaúcho, a partir de proposta apresentada pelo deputado Valdeci Oliveira, o encontro teve como objetivo principal discutir a necessidade da institucionalização e regulamentação do serviço no município, seus gargalos, troca de informações e experiências sobre reciclagem de resíduos sólidos. Números apresentados durante a audiência indicam que Santa Maria, que tem cerca de 280 mil habitantes, produz cerca de 200 toneladas por dia de rejeitos, sendo 60% orgânico, 25% recicláveis e 15% de outros tipos.
Nas diversas manifestações dos participantes ficou evidente a necessidade urgente de se trabalhar a conscientização da população, o oferecimento de apoio aos catadores e a implementação, por parte do poder público municipal, de um plano de ação que viabilize um serviço de recolhimento adequado.
Na abertura dos trabalhos, Valdeci destacou a importância do debate com a sociedade “Queremos, especificamente, buscar uma mudança na forma como resolvemos a situação do lixo, mas, envolto nessa questão, há um problema muito maior: o que entendemos por crescimento econômico não pode mais ser sustentado pela natureza. Nós teremos que encontrar um outro caminho”, pontuou. Para o deputado, o desafio de todas as cidades hoje é a ampliação e o aperfeiçoamento dos serviços de coleta seletiva. “Por isso fizemos questão de também trazer essa discussão, via parlamento gaúcho, para Santa Maria. Somos um dos países que mais produz lixo e um dos que, proporcionalmente, menos recicla”, disse Valdeci, ao lembrar que estudos, como o da ONG internacional World Wide Fund for Nature (WWF), apontam que, no Brasil, uma quantidade de resíduos inferior a 2% é coletado e chega às estações e galpões de reciclagem.
Para a professora Janaina Marques, da UFN, a questão vai além do lixo em si, mas de famílias que vivem da coleta seletiva. “Quem está de fora não tem noção do esforço que essas pessoas fazem para abrir as portas das associações. São pessoas que poderiam ter melhores condições de vida e prestar um serviço ainda melhor, mas há o desamparo da sociedade e do poder público. É preciso informar para que não se negligencie o trabalho dessas associações”, frisou, ressaltando ser necessário evoluir na forma como se trata os descartes em Santa Maria. “Não se trata só de lixo, mas de escolhas. Hoje não se estimula o cidadão nem se apoia o fortalecimento das associações”, destacou.
A questão da responsabilidade também foi citada pelo vereador Valdir Oliveira, para quem as chuvas mostram que o descarte irresponsável resulta em alagamentos. “Hoje está chovendo e vemos que isso acontece. Mas não é somente de quem consome, também é de quem produz e de quem não oferece o serviço, no caso a prefeitura, que precisa colocar em prática o plano de coleta de resíduos sólidos”, cobrou.
O debate mostrou ainda que o a nomenclatura para o resíduo sólido é uma questão de ponto de vista. Para Margarete Vidal, da Asmar, uma das associações de catadores do município, o lixo, na verdade, é matéria-prima que está no lugar errado. “É fácil descartar, jogar fora e esperar que alguém pegue. Não é assim que funciona. Quando se derem conta vão ver que não estão prejudicando somente os catadores, mas também o meio ambiente. E não estamos falando apenas de lixo, mas de pessoas. Por de trás disso tudo têm famílias”, protestou.
A dificuldade para o transporte foi outro problema apontado. Terezinha Domingues, integrante da Arsele, chegou a sugerir o rodízio de caminhões entre as entidades de recicladores e que este custo seja bancado pelo poder público ou por grandes empresas. “Não queremos brigar, mas construir um trabalho para todos. A coleta para nós é uma questão de saúde, pois sem ela não comemos, adoecemos e será mais um gasto para o município. Se trata de política pública”, sustentou.
Como deliberação para a formatação de soluções e criação de um plano de gerenciamento para a questão do recolhimento e destinação correta para o lixo reciclável, o plenário decidiu pela criação de um Grupo de Trabalho reunindo representantes das universidades, técnicos, poderes legislativo e executivo municipais, Assembleia Legislativa e integrantes das associações. O primeiro encontro deverá ocorrer em 15 dias na sede da Universidade Franciscana. “O importante é que todos assumam seu papel e sua responsabilidade, além de trabalhar pela conscientização e por um processo organizativo que dê conta dessa importante demanda, que é tanto social como ambiental”, avaliou Valdeci.
A Prefeitura de Santa Maria, apesar de convidada pela Assembleia Legislativa, não enviou uma representação oficial para a audiência pública.