Plano de contingência da pandemia no Hospital São Pedro e Colônia Itapuã é contestado em audiência

As Comissões de Saúde e Meio Ambiente (CSMA), de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) e de Segurança e Serviços Públicos (CSSP), da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul realizaram na manhã desta quarta-feira uma Audiência Pública conjunta para discutir a situação dos moradores e servidores do Hospital Psiquiátrico São Pedro e Hospital Colônia Itapuã, na pandemia da Covid-19. A audiência foi solicitada após denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre surtos da doença e óbitos em ambas as instituições.

Membro da Comissão de Saúde, o deputado Valdeci Oliveira (PT), que foi um dos proponentes da audiência, afirmou que pelas informações levantadas, há um número muito grande de pacientes e servidores dos dois hospitais infectados. De acordo com os números apurados, são 91 casos nos dois hospitais e nove óbitos. “Precisamos saber o que o estado está fazendo em relação aos hospitais, qual o grau de testagem destes trabalhadores e pacientes, fornecimento de EPIs e condições de trabalho. Os conselhos fizeram vistoria e a ideia é que o debate seja ampliado e possa indicar caminhos para diminuir essa situação grave”, afirmou, o deputado. A audiência foi proposta também pelos deputados Jeferson Fernandes, Edegar Pretto, Pepe Vargas e Zé Nunes.

A titular da Secretaria Estadual da Saúde, Arita Bergmann, afirmou que o plano de contingência implantado em março está em permanente atualização. Sobre os óbitos, disse que não pode restar dúvidas. “Aqui não é maquiagem. Os números são reais, por isso todos serão investigados para que não haja dúvidas”, sustentou. Para a secretária, é provável que trabalhadores que atuam em outros hospitais tenham levado o vírus para as duas instituições. “Isso é controlável, mas estamos alerta para manter o menor número possível”, disse.

O advogado do Fórum gaúcho de Saúde Mental, Marcelo Azambuja, que entrou com ações cautelares na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, explicou que as medidas foram tomadas porque o estado precisa garantir os direitos humanos e quando é incapaz, se pode recorrer a sistemas internacionais. Segundo Azambuja, há meses o FGSM vem denunciando o surto de Covid-19. “O plano de contingência foi divulgado apenas em 25 de junho e não faz menção aos hospitais psiquiátricos. Se existe plano, perguntamos: de quem é a responsabilidade pelo seu fracasso?”, disparou. O advogado salientou ainda que os números são muito altos e os pacientes, pelas deficiências e limitações que as doenças lhes impõem, têm maior dificuldade de enfrentar a pandemia. Ao mesmo tempo, acrescentou, os trabalhadores denunciam falta de material de higiene e EPIs.

O deputado Jeferson Fernandes (PT), presidente da Comissão de Segurança e Serviços Públicos, disse que quando presidiu a CCDH, presenciou relatos do São Pedro de problemas que já eram gigantescos, antes da pandemia. “Obviamente que tudo se agrava em uma pandemia, mas não pode ficar assim. A minha proposição é por criarmos um coletivo de deputados que possa visitar as instituições para fazer o acompanhamento. Assim como outros espaços de segregação, fica muito duvidoso o que se apresenta como versão oficial e o que os servidores relatam”, disse.

A divergência quanto ao plano de contingência apresentado pela secretária da saúde também foi levantada pelo deputado Zé Nunes (PT) que qualificou como “péssimo” o resultado na execução do plano, devido à proporção de contaminados e de mortos. “Há um número que não fecha, há evidência de que esse é um assunto sério e de que estamos em um momento de retrocesso no que diz respeito à prioridade de investimentos. Nas últimas décadas produzimos políticas concretas. Me parece que os resultados falam por si só”. Para o parlamentar, espanta que em nenhum momento o plano de contingência tenha referido as duas instituições psiquiátricas. “Isso demonstra que foram colocados em um segundo plano. É preciso que a gente não se distancie de efetivamente valorizar e colocar na prática o controle social”, defendeu.

Entidades cobram explicações
Conforme a diretora do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado (Sindsepe), Diva Luciana Flores da Costa desde o início da pandemia e com a publicação do decreto em março, o sindicato já reivindicava a segurança e proteção dos servidores, com EPÌs e testagem, pois os servidores não podem ficar em teletrabalho. Segundo a sindicalista, não é verdade que existe distribuição suficiente de EPIs e em função disse e do excesso de trabalho, os servidores estão adoecendo.

O presidente do Conselho Estadual de Saúde, Claudio Augustin foi categórico ao afirmar que não houve a devida prevenção. “O número de testes é extremamente baixo dado o número de pessoas que circulam por estes hospitais. A testagem deve ser feita em massa. Leite prometeu 8 mil testes dia, mas até hoje não informou onde estão sendo aplicados”.

Uma das entidades que tomou a iniciativa de realizar visita às instituições foi o Conselho Regional de Psicologia do RS. De acordo com a diretora, Cristina Shwartz, no dia da visita no São Pedro nenhuma atividade estava sendo realizada e os pacientes estavam ociosos. A inspeção não obteve o número de cargos de servidores. “Na tarde de segunda não havia nenhum psicólogo. Em junho uma das unidades foi 100% contaminada. Depois de deflagrado o surto é que houve a testagem dos servidores e de duas mortes, apenas um prontuário foi apresentado”, relatou. “Na Colônia Itapuã, 42 moradores testaram positivo e de acordo com o que foi apurado, tem dias em que nenhum profissional com formação superior comparece à instituição, além de haver problemas na higienização”, completou. No entanto, advertiu, muitas informações não foram prestadas pelos gestores.

Encaminhamentos tirados da audiência Pública
– Que seja dado acesso a todos os documentos relativos às denúncias, para compor um dossiê sobre a situação, a ser encaminhado à Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos do MPE (o CRP se compromete a publicizar seu relatório para este fim);
– Acessar o plano de privatização do Hospital Psiquiátrico São Pedro realizado pelo Hospital Sírio Libanês;
– Que o plano de desinstitucionalização retome as propostas do São Pedro Cidadão e do São Pedro em Movimento, responsável pela construção de estratégias interdisciplinares e intersetoriais extramuros, na articulação com a sociedade e com a cultura, para garantir também condições de sociabilidade, geração de renda e exercício de cidadania das pessoas privadas de liberdade sujeitas a longas internações nos manicômios;
– Cobrar resposta do MPE (Defensoria de Direitos Humanos) pois o Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre encaminhou denúncia e aguarda resposta;
– Que a SES encaminhe resposta aos questionamentos realizados via PROA pelo Conselho Estadual de Saúde.

Texto: Claiton Stumpf (MTB 9747)