Lideranças do Nordeste gaúcho reivindicam políticas de combate à estiagem

O ginásio de esportes do município de Água Santa, na Região Nordeste do Rio Grande do Sul, foi palco de mais uma audiência pública organizada no último sábado (19) por câmaras de vereadores para tratar da estiagem, suas consequências econômica e social e a criação de medidas urgentes e de curto, médio e longo prazos para, de alguma forma, amenizar os prejuízos já postos aos agricultores, e garantir a subsistência dos médios e pequenos produtores. “Os governos precisam criar as condições que amenizem (a situação). Os municípios estão limitados para essas ações”, afirmou o prefeito em exercício de Água Santa, o vice Ademir Favaretto. “Aqui, como em toda a região Altos da Serra, o comércio também foi afetado pelas dificuldades causadas pela queda na renda”, avaliou o presidente da Câmara Municipal, Carlos Possebom. “Em janeiro a ministra Tereza Cristina esteve aqui no estado e disse que, em 15 dias, chegariam recursos. Passou 15 dias e mais 15 e não veio nada. Esbarrou na falta de orçamento do Ministério da Agricultura. Em Pernambuco, há uma cultura muito maior do que no RS de programas de irrigação e açudes, por exemplo. Aqui, de 10 lavouras de arroz, oito tiveram problemas. E sem pasto, alimentando o gado só com ração é antieconômico para o setor leiteiro”, acrescentou o deputado Gilberto Capoani (MDB).

Prejuízos

Evanir Wolf, prefeito de Tapejara, usou os dados relativos ao seu município para ilustrar a situação. De acordo com o gestor, das cerca de 650 propriedades rurais, 50% são de pequenos produtores. A perda na lavoura foi de 80% na de milho e 40% na de soja, que aliado à baixa produção de leite registrou R$ 90 milhões de prejuízos, segundo levantamento realizado no início do mês de janeiro. “São R$ 90 milhões que deixam de circular, pois desse total o produtor deve ficar com uns 10%, o restante vai para direto a economia”, destacou Wolf.

A diretora Administrativa da Cooperativa Agrícola Água Santa (Coasa), Aline Perozzo Bacega defendeu a necessidade de políticas públicas perenes, “não só para o dono da terra, mas para quem planta nela”. Segundo ela, a grande preocupação dos seis mil associados da entidade, sendo 80% voltados à agricultura familiar, “é como vão ficar as contas”. Para o pequeno produtor e ex-prefeito de Ibiaçá, Claudiomiro Fracasso, a repetição da estiagem somada à ausência de medidas governamentais à altura do problema, está fazendo com que a situação se encaminhe para a falta de sucessão nas propriedades. “Pouca gente tem coragem de dizer isso em público”, assegurou. “Se antes éramos nós que, por conta da pandemia, estávamos na UTI, agora na UTI está quem produz”, afirmou, lembrando, além dos anúncios que não vieram, de três coisas ditas pela ministra Tereza Cristina em visita de avaliação em janeiro ao estado: “Era para fazermos as pazes com São Pedro, rezar e que o governo não tinha culpa por não chover. Governo quando é governo é para ao menos resolver problemas. Hoje quem sofre é quem planta e quem ganha é o grande capital”, assegurou o ex-gestor municipal.

Para o prefeito de Santa Cecília do Sul, João Sirineu Pelissaro, apesar das ações necessárias trazidas àquela audiência em relação à estiagem, do auxílio emergencial ao refinanciamento e perdão de dívidas passando por crédito subsidiado, programas de açudagem, perfuração de poços e construção de cisternas, o problema da agricultura gaúcha, assim como o da brasileira, passa pela necessidade de alterações na política de posse da terra. “Os donos das terras não são os que nela produzem. E o lucro de quem arrenda e produz acaba sendo apropriado por outros e não por eles. E é também uma questão de soberania”, analisa ele em relação à compra de grandes extensões de terra por estrangeiros, cuja nova regulamentação ampliou significativamente as extensões totais que podem ser adquiridas por grandes grupos econômicos de fora do país. “Claro que as medidas são necessárias, mas hoje estamos recebendo três poços artesianos relativos à estiagem de 2020”, exemplificou Pelissaro.

Parlamento próximo das comunidades

“Mesmo que alguns não compreendam o tamanho do problema, o fato é que todos sofrem, toda a sociedade, mas junto aos pequenos a crise acaba sendo mais pesada, pois há um menor poder de negociação, menor acesso a crédito e menor articulação e representação política. Além disso, no caso dos municípios, quanto maior mais poder de articulação tÊm em relação aos menores”, destacou o presidente da Assembleia, Valdeci Oliveira. De acordo com ele, a presença da presidência do Parlamento estadual naquela audiência pública foi a de “encurtar o caminho, aproximar ainda mais o Legislativo estadual da sociedade para ouvir, debater e propor”.

Destinação de recursos e prioridades

“Se o impacto da estiagem está sendo grande agora será ainda maior em 2023, quando chegar na arrecadação do estado e dos municípios”, avaliou Valdeci. O chefe do Parlamento estadual vê como positiva as articulações que estão sendo feitas pelos estados do RS, SC e MT, assim como RJ e BA, estes para o enfrentamento das fortes chuvas, para alteração do orçamento e redirecionamento de recursos. “Mas é preciso um movimento forte, pois é para agora e não para o ano que vem. E têm as emendas de relator, chamadas de orçamento secreto e que somam R$ 16 bi. Recursos existem, a questão é a destinação dada a ele, é uma questão de escolha política, de prioridade. Mas para isso é preciso cobrar dos seus representantes, seja na Assembleia Legislativa, seja na Câmara Federal, no Senado, pois daqui para frente serão as políticas públicas preventivas e permanentes que poderão amenizar e ajudar a enfrentar uma realidade que já é uma constante no estado”, sugeriu.

Pequenos avanços

Durante sua manifestação, Valdeci ainda fez um relato sobre a Missão Oficial da Assembleia que foi a Brasília no início da semana em busca de ações concretas por parte do governo Federal quanto a medidas e recursos ao estado. “Da Defesa Civil Nacional tivemos poucos avanços, mas já é alguma coisa, como o anúncio de cestas básicas às populações rurais a partir da solicitação das prefeituras e com base em números de habitantes levantados pelo IBGE, além de locação de caminhões-pipa e custeio para a compra de óleo diesel para que caminhões da própria prefeitura façam, a partir da adaptação de reservatórios, a distribuição de água à população”. “Da pasta da Agricultura, que é de onde deveria sair a maior parte das ações e recursos, nada de concreto, apenas possibilidades que incluem um projeto de lei para alteração do orçamento, conversas junto ao Ministério da Economia e a sugestão para que seja feita a incidência junto ao ministério da Cidadania para incluir o RS entre as regiões aptas a receber recursos para a construção de cisternas, além da atuação da Bancada Federal em relação às emendas de relator”, explicou. “Demonstramos força e unidade e esse movimento precisa continuar”, acredita Valdeci.

Presenças

Na audiência, que ainda contou com as presenças de diversos produtores rurais, representantes de instituições bancárias, cooperativas, vereadores e lideranças políticas da região, o deputado Mateus Wesp (PSDB) esteve representado por sua assessoria, enquanto Clair Kuhn (MDB) enviou uma nota justificando sua ausência e reafirmando apoio ao pleito dos agricultores, criadores e gestores públicos locais. Um documento com as demandas e os problemas enfrentados pela região será elaborado e enviado ao Parlamento gaúcho, governo e bancada gaúcha na Câmara Federal.