Artigo – Fomos chatos, continuaremos sendo chatos

Por VALDECI OLIVEIRA –

Demorou e demorou muito. Afinal de contas, o Hospital Regional de Santa Maria deveria estar abrindo os seus leitos à comunidade antes do final de 2016, afinal de contas foi nesse ano, mais especificamente no mês de setembro, que a sua construção terminou.  Ou, mais tardar, essa inauguração deveria ter ocorrido no primeiro semestre de 2017, como foi anunciado, certa vez, em alto e bom som para a comunidade local. Mas que bom, que ótimo que os leitos do Regional, mesmo com todo esse atraso, chegaram a tempo de prestar uma enorme contribuição para o enfrentamento de uma empreitada que é monstruosa e inédita, pois não estava no horizonte de nenhuma nação do planeta neste momento.

Com a efetiva inauguração do Regional, e com os leitos de UTI recém viabilizados no Hospital Universitário (HUSM), Santa Maria e a Região Central passam a ter condições reais de encarar os brutais efeitos sanitários da Covid-19.  E o “nascimento” dessas vagas públicas acontece, para sorte da comunidade, justamente quando se dá um crescimento da curva de contaminação (número de mortes no Brasil ultrapassou a China), quando o governo federal, a partir da figura presidencial segue com uma estratégia errática de enfrentamento à pandemia e no momento que emergem dúvidas quanto ao chamado isolamento controlado, receita genuinamente gaúcha não testada em nenhum lugar no mundo, em que amostragens buscam indicar o norte às decisões do governo quanto a medidas de afrouxamento ou certa restrição à mobilidade social.

Por tudo isso, e mesmo que não tivesse ocorrido a pandemia, o início das operações do Regional é uma importante vitória. É preciso lembrar que a Região Central possui mais de 1 milhão de pessoas e convive com um tenebroso déficit de leitos. Em um momento especial como esse, é preciso saudar todos os atores que estiveram engajados nessa luta, independentemente de questão partidária ou ideológica. Nos últimos quatro anos, com o apoio firme da comunidade de Santa Maria e região, incluindo profissionais da área, entidades representativas dos trabalhadores da saúde e de organismos da sociedade civil, além dos veículos e comunicação, imprimimos uma constante articulação e pressão pela sua abertura. Esse trabalho registrou desde manifestações semanais na Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, o encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes até a criação do Comitê Regional de Mobilização Pró-Abertura do Hospital Regional. Uma ação coletiva, articulada e organizada, em que cada um e cada uma das partes integrantes foram fundamentais.

A cada reunião com as autoridades governamentais que realizamos, em cada audiência pública que promovemos e em cada pedido de informações encaminhado à Secretaria Estadual de Saúde – movimentos feitos dezenas de vezes -, a tônica era uma só: a oferta imediata do Regional para a sociedade, uma vez que havia uma demanda reprimida e crescente por atendimento  que invariavelmente desembocava no Hospital Universitário da nossa incansável UFSM.  Em todas as oportunidades, ressalvamos que, a cada dia que passava, a estrutura construída se deteriorava e milhares de pessoas seguiam sendo obrigadas a lotar leitos e até os corredores de outros hospitais.

Ironicamente, foi algo invisível a olho nu que praticamente obrigou o atual governo a concentrar e ampliar esforços na tarefa de romper as amarras que congelavam as atividades do Hospital Regional. Não providenciar isso, neste momento, seria providenciar um atestado de desserviço, seria seguir o negacionismo e o terraplanismo que marcam uma parte considerável do governo federal, seria relegar milhares de pessoas à própria sorte. Que bom que a “ficha caiu” e que, no RS, a saúde é encarada de maneira séria, como tem que ser, independentemente das diferenças de visões e de ideologias a respeito.

Mesmo com o início das atividades deste imponente complexo de saúde, experiências nos mostram que não devemos baixar a guarda nem apartar as forças sociais que chegaram juntas até aqui. Nós continuaremos mobilizados nesse movimento até que todos os leitos e serviços da instituição entrem em plena operação. Nesse sentido, seguirei a usar o microfone da Comissão de Saúde e Meio Ambiente do Parlamento e todos os demais espaços e instrumentos legislativos possíveis para fazer a minha parte. Podem me chamar de chato e repetitivo, como já ocorreu, na Assembleia Legislativa, de tanto que insisti nesse assunto. Se esse processo avançar com êxito, como avançou a chegada dos primeiros leitos, eu não ficarei nem um pouco contrariado com as alcunhas recebidas.

E novamente, faço questão de reiterar: parabéns a todos que dedicaram horas, dias, meses e até anos de suas vidas para a concretização do Regional, mesmo que, neste momento, sobrem dúvidas e dores sobre a pandemia da Covid-19. Acreditar e lutar já é meio caminho andado. E o Regional é a prova disso.

Foto: Guilherme Mansur /Palácio Piratini