Cortes na educação federal são tema de audiência pública na Feicoop

Com a presença de dirigentes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Instituto Federal Farroupilha (IFFar), Universidade Federal da Fronteira Sul e Instituto Federal de Educação Sul-Rio-Grandense, além de estudantes, professores e comunidade acadêmica, foi realizado no início da tarde desta sexta-feira 12/7, a audiência pública que buscou debater os impactos dos cortes orçamentários na educação para os municípios gaúchos. Realizado dentro da programação da 26ª Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop), o encontro, uma proposição do deputado Valdeci Oliveira, aconteceu no Lonão 1 do Centro de Referência de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter.

Logo na abertura dos trabalhos, coube a Irmã Lourdes destacar a parceria com a UFSM, prefeitura municipal e Cáritas, entre outras entidades e movimentos sociais, os verdadeiros responsáveis para a concretização da realização da Feicoop. “Temos problemas, temos desafios, mas sempre encontraremos a solução. Temos sempre de dialogar com a educação, esse tema que nos é tão caro, tão importante. E um governo que não valoriza a educação não valoriza a memória, a história e nem o futuro, pois é neste contexto que está a nossa juventude, o nosso amanhã. Assim como a Educação está sendo perseguida e desvalorizada, o mesmo está acontecendo com a saúde, com a economia solidária, com a agricultura familiar e com as políticas públicas que há tantos anos viemos construindo”, criticou Irmã Lourdes. Figura reconhecida e respeitada por ter um trabalho de mais de trinta anos na promoção da economia solidária, da agricultura familiar e em diversas políticas sociais, além de ser uma das responsáveis pela realização da Feira, Irmã Lourdes ainda completou: “Nós não podemos tolerar isso. Precisamos encontrar caminhos de respeito e de valorização para tudo aquilo que construímos. A educação é uma da coisas mais caras para nós, pois ela começa na famíília, na comunidade, na escola, mas segue vida a fora. Não podemos esmorecer, muito menos deixar que destruam como estão fazendo o Brasil”, enfatizou

Jovens sem acesso
Sem se ater a formalismos burocráticos, Valdeci, com uma lista nas mãos, chamou os convidados à mesa e explicou aos presentes que aquela audiência pública era fruito de vários os movimentos que foram e estão sendo feitos, desde reuniões em Porto Alegre e em Brasília, até a criação Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais. “Quanto mais iniciativas ocorrerem, quanto mais nós popularizarmos esse tema, mais força teremos para defender nossas universidades e institutos federais. E é importante que façamos esse debate porque não se trata apenas de cortes, mas de uma discussão que inclui receita, despesas, impactos. Cortar o orçamento das universidades significa também cortar possibilidade de que os nossos jovens possam ter acesso no futuro ao ensino superior gratuito e de qualidade. Nós precisamos ter isso muito presente, que as pessoas reflitam o que significa essa situação terrível dos cortes do governo federal no ensino público”, provocou.

Renda familiar per capita
Primeira a falar, a reitora do Instituto federal Farroupilha (IFFar), Carla Comerlatto Jardim, afirmou que o impacto que os cortes e restrições orçamentários impostos pelo governo federal estão trazendo para milhões de jovens e adultos trabalhadores “é que estes podem ver seus sonhos ceifados pela absoluta insuficiência de recursos nas nossas instituições. Dos mais de 15 mil estudantes do IFFar, 80% possuem renda familiar per capita inferior a um salário mínimo”, afirmou a reitora, cujo instituto possui 1,6 mil servidores entre técnicos administrativos em educação e professores que compões a força de trabalho, mais de 15 mil alunos distribuídos em 11 campus, 3 centros de referência e diveros polos de educação a distância.
Carla destacou ainda que IFFar é um espaço de oportunidade para aquelas pessoas que historicamente foram excluídas dos processos educacionais de qualidade e que a instituição oferta mais de 120 cursos tecnicos de graduação e pós graduação. “No ultimo ano atendemos de forma direta e com projetos de extensão mais de 80 mil gaúchos e gaúchas nas regiões onde atuamos. São mais de 7 mil estudantes atendidos a partir das políticas de assitência estudantil que estão sendo fortemente agredidas em função das restrições orçamentárias”, explicou, acvrescentando que quase mil jovens moram nos diversos campus do Instituto. “Falo isso para que as pessoas possam compreender o impacto que a redução do financiamento tem numa instituição que se debruça em atender as pessoas em condições de vulnerabilidade social”, frisou.

Dispensas que cortam o coração
Segundo ela, a despeito da denominação que é dado – bloqueio, corte ou contingenciamento – o impacto da subtração de 30% do orçamento do IFFar representa mais de R$ 18 milhões (em um orçamento de pouco mais de R$ 50 milhões). “Um terço do orçamento não está disponível desde o dia 30 de abril. Na prática tivemos que sacrificar diversas ações para poder continuar funcionado”, pontuou. Segundo ela, reuniões estão sendo feitas somente a distância por conta da falta de recursos para manutenção e combustível de veículos, foram realizados cortes profundos nos contratos de terceirizados, dispensando um sem número de trabalhadoras e trabalhadores prestadores de serviços. “Essas dispensas nos cortam o coração e engrossam ainda mais o contingente de mais de 14 milhões de desempregado no país. De acordo com a reitora, não havendo recomposição e normalização na liberação de recursos as atividades do IFFar estará comprometida a partir do mês de setembro. Carla acrescentou, ainda, que desde que os IFs foram criados em dezembro de 2008, tem-se pela primeira vez a ameça concreta de suspender todos os projetos de pesquisa e extensão e a oferta de ingresso aos de 130 cursos em todas os níveis e modalidades de ensino. “Trazemos aqui o nosso protesto como o Ministério da Educação trata a educação pública nesse pais”, disse, lembrando que na atual composição do MEC, no primeiro e segundo escalões, não há nenhum educador, mas todos economistas. “Assim, ção é de se estranhar que a educação pública superior e a educação pública como um todo esteja sendo desconsiderada. Trago aqui, mais do que o nosso protesto, o nosso compromisso de continuar lutando para que o Executivo Federal nos devolva o que nos é de direito para que continuemos dando de comer aos sonhos e transformando vidas através da educação profissional pública e de qualidade que os IFs ofertam”, finalizou a gestora, sob fortes aplausos

Universidade atacada
Antônio Inácio Andreolli, reitor em exercício da Universidade Federal da fronteira Sul (UFFS), destacou o importante papel das universidades públicas ao citar o caso do campi de Cerro Largo, sob responsabilidade da UFFS, que considera uma “improbabilidade histórica uma cidade de dez mil habitantes ter um campus de uma universidade federal”. E só possuiu porque é pública. Destacou também que o campus de Passo Fundo iniciou com o primeiro curso de medicina na expansão das escolas médicas no país cuja formatura da primeira turma acontece neste sábado 13. “Neste momento nos juntamos para evitar os cortes (perto de 32%), que no nosso caso são mais de R$ 18 milhões, o que resultou em obras paralisadas, mesmo aquelas próximas de sua conclusão”, explicou. Andreolli destacou também que o IFFS possui 1,3 mil servidores, sendo pouco mais de 700 professores (69% com doutorado), considerado um dos melhores quadros docentes. “Um investimento que o governo deveria estar estimulando, pois há ainda muita gente que ainda não consegue acessar a universidade pública. O Brasil poderia chegar em 2020 com 20% dos estudantes de 18 a 24 anos acessando o ensino superior. Não vamos chegar a este índice, que ainda é pouco”, explanou.

Tendo morado muitos anos no exterior, Antônio afirmou que não conhece nenhum exemplo de país que tenha aplicado tantos cortes e reduções de investimentos em tecnologia e inovação num momento em que a economia passa por uma crise. “É justamente o contrário, o inverso do que aqui está sendo feito, tanto do ponto de vista da soberania nacional como do direito das pessoas. Estamos em um processo de contramão”, disse. Segundo ele, o atual cenário mostra, na prática, que “as universidades estão sendo atacadas, a educação está sendo atacada. É fundamental que a população possa compreender o que isso significa, por exemplo, a UFSM ter suas atividades paralisadas, não continuar a sua existência. São R$ 185 milhões em folha de pagamento, uma linguagem que os economistas conhecem bem. O que isso traz para a cidade, o que movimenta na economia? É impossível que um prefeito ou o governador do estado não consiga perceber o que as universidades federais representam”, criticou. De acordo com ele, atualmente, depois de vários ajustes, “não há mais o que cortar. Agora significa deixar de oferecer bolsas de extensão, de pesquisa, significa deixar de colocar material de manutenção, reagentes em laboratórios, restringir acesso ao restaurante universitário, significa ter de escolher entre os mais pobres o que mais necessita de bolsa auxílio”, frisou.

Educação como moeda de troca
Já Flávio Barbosa, do IFSul, instituição que está presente em 42 cidades gaúchas e atende cerca de 70 mil alunos, o que demonstra a importância e a representatividade da interiorização dos IFs e quanto oportunizam para a sociedade gaúcha, disse estar, juntamente com outros gestores, trabalhando no sentido de buscar reverter o quadro de restrição e cortes orçamentários e mostrar aos Ministérios da Educação e da Economia o quão danoso está sendo e será para a sociedade e para as próprias instituições. “Mas também estamos trabalhando junto às representações políticas para buscar que o governo federal reveja essa iniciativa, além de atuar na judicialização, tanto contra os cortes como em relação a alguns decretos que visam tirar a autonomia das universidades e instituições federais”, explicou. Segundo ele, essa política do governo federal está afetando a qualidade da educação pública federal que é reconhecida tanto pela sociedade brasileira como internacionalmente. “Infelizmente a educação está sendo usada como moeda de troca pelo governo. Em qualquer reunião feita a fala é a mesma, ou seja, de que passada a reforma da previdência o país irá melhorar do dia para noite e os bloqueios orçamentários serão revistos. Este é o jogo que estão fazendo com a educação, pressionando a sociedade de que temos que aprovar a reforma nos moldes propostos pelo governo. Enquanto isso, para liberação de emendas extraorçamentárias aos nossos representantes políticos, orçamento existe. Se falava em R$ 10 milhões para cada deputado que aceitar votar favoravelmente, agora já se fala em R$ 20 milhões”, criticou.

Para ele, é lamentável que a educação esteja sendo usada dessa forma. “Deveria ser exatamente o contrário, a educação deveria ser o caminho para se buscar as soluções para os problemas que o nosso pais enfrenta”, pontuou. Outro dado interessante levado por Flávio disse respeito a qualidade do ensino oferecido pelos IFs. Segundo ele, o Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, colocou o Brasil na 60º posição mundial, mas ao faz o recorte dos estudantes com 15 anos do ensino médio dos institutos federais essa colocação sobre para a 15ª posição. “Se a avaliação for sobre o quesito leitura chegamos ao 2º lugar no mundo, na área de ciências 11ª. Isso mostra que se investirmos em educação de qualidade teremos uma nação. E que a luta enquanto gestores e reitores não se trata apenas de querer mais recursos, mas porque acreditamos que a educação é o caminho para melhorar a situação do nosso país, por isso lutamos para que possamos continuar a fazer o nosso trabalho”, explicou.

Flávio destacou ainda que, diante de uma economia em situação difícil como a atual, se trata de um processo de escolhas e prioridades. Porém, se “formos hoje no portal da Transparência iremos verificar que está previsto para 2019 o pagamento de R$ 1,3 trilhão de juros da dívida interna para o sistema financeiro, ou seja, 48% do orçamento total da União. E por que é a sociedade que é chamada para pagar por essa situação e não esses setores que têm lucros astronômicos?”, indagou, sugerindo que a cota de sacrifício deveria ser para todos e não somente para a população na forma de contigenciamento e cortes na educação e na perda de direitos sociais como previsto na reforma da previdência.

Vidas que estão em jogo
Já o vice-reitor da UFSM, Luciano Schuch, lembrou que, apesar dos cortes impactar diretamente os membros da comunidade acadêmica da UFSM, entre alunos, professores e funcionários, decisões anteriores, tomadas ainda no governo de Michel Temer, fizeram com que servidores que se aposentassem não fossem substituídos, reduzindo assim a força de trabalho da instituição. “E o atual está governando através de decreto. É muito complicado, pois você não pode questionar, não passou pelo crivo do congresso. Um deles está impedindo de se fazer concurso público para as redes de educação. E sem isso fica difícil manter a qualidade”, apontou Schuch. Outra preocupação do vice-reitor disse respeito a uma das opções para que a UFSM de adeque aos cortes orçamentários impostos pelo governo federal que é a readequação de um contrato de terceirização de mão-de-obra que terá uma redução de 64% nos serviços hoje realizados. Além de precarizar o atendimento à universidade, dos 900 contratados apenas 300 deverão permanecer trabalhando. “São 600 pessoas que a empresa não conseguirá pagar e provavelmente terá de demiti-las. A gente tem de pensar que são vidas que estão em jogo. Além da qualidade da educação para os nossos alunos, são famílias que ficarão sem salário”, frisou.

Num rápido balanço, as falas apontaram que a política do governo federal para a educação se resume, até o momento, no desmonte do ensino público federal, na precarização do trabalho, na fuga de conhecimento e na entrega da soberania nacional. “Um quadro triste, sério e preocupante que nós, as pessoas comprometidas com a democracia, com a justiça e inclusão social e com o direito das pessoas, principalmente as mais pobres, de acessarem o ensino superior gratuito temos de resistir, denunciar e cerrar fileiras para barrar esse verdadeiro crime contra a nossa juventude”, propôs Valdeci.

Também participaram da audiência o deputado estadual Edegar Pretto (PT), os vereadores Jorjão (Rede), Luciano Guerra (PT) e Valdir Oliveira (PT).