Comendo veneno, exterminando abelhas e achando que nada disso é conosco

Por Valdeci Oliveira –

“Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais não haverá raça humana”. A afirmação, feita na primeira metade do século passado, é do físico alemão Albert Einstein, mais conhecido por ter criado a teoria da relatividade. Na época, avaliaram apenas se tratar de mais uma excentricidade de um gênio que havia criado “a equação mais famosa do mundo”, que tratava da equivalência entre massa e energia. Não, não era.

Mais do que simples evidências, o uso indiscriminado de agrotóxicos no país, em particular no RS (um dos maiores consumidores de veneno para lavouras), tem afetado não somente a saúde dos próprios agricultores e consumidores. As vítimas, agora, são os pequenos insetos voadores, cuja imprescindível função para a vida de todos está em atuar como polinizadores. E essa função corre sério risco.

Quem já está sentindo esse efeito colateral são centenas de famílias produtoras de mel e derivados residentes, inclusive, na Região Central do Estado, mais especificamente em municípios como Mata, Santiago, Jaguari e Cruz Alta. Nessas localidades, os produtores estão perdendo colmeias inteiras, com resultado direto na redução de suas respectivas produção e renda. Num país em que a carência de registros é regra, tudo indica que o problema pode ser ainda maior.

Se na década de 1960 – quando apareceram os primeiros registros de extinção de populações de abelhas -, o fato era considerado sem explicação, nos últimos anos, médicos e pesquisadores têm indicado que os pesticidas utilizados em larga escala são os principais causadores desta verdadeira tragédia ecológica, que já vinha se anunciando pelo desmatamento e consequente redução dos habitats naturais das abelhas para dar lugar a grandes plantações, que necessitam de grandes quantidades de agrotóxicos.

Desde 2011, pelo menos, a FAO, que é a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, tem sinalizado aos governos sobre as sérias consequências à vida humana que a redução em escala global das abelhas pode causar. Longe de se tratar de um discurso meramente catastrófico, cientistas asseguram as abelhas são fundamentais para a humanidade. O raciocínio é simples: sem polinização haverá uma queda enorme na variedade de vegetais, o que afetará a alimentação dos animais herbívoros, fonte de alimentos de seus pares carnívoros. E ao cruzarem dados de diferentes estudos, concluíram que um terço dos alimentos consumidos estão diretamente vinculados ao trabalho desses insetos na natureza.

Analisando a questão do ponto de vista econômico e social, observamos que a atividade das abelhas se traduz em geração de emprego e renda para milhares de famílias. Números de 2017 colocavam nosso estado como o maior produtor – e consumidor – de mel no Brasil, com 6,3 mil toneladas oriundas das regiões da Serra, Norte, Noroeste, Planalto, Centro e Metade Sul. No ano passado, a produção foi de 8,3 mil toneladas. Porém, um cenário bem diferente já foi registrado nesse ano: uma quebra de 60% na safra. Segundo a Federação Apícola do RS (Fargs), pesou no resultado as condições climáticas e os inúmeros casos de morte e enfraquecimento das colmeias.

Em seis meses de governo Bolsonaro, o Ministério da Agricultura aprovou o uso e comercialização de 239 novas substâncias – muitas delas com princípios ativos banidos de outros países por conta do alto grau de toxicidade -, o que faz com que permaneçamos com o título de campeão mundial no uso de pesticidas na agricultura. E três desses agrotóxicos estão diretamente ligados à mortandade das abelhas. Não por acaso, apicultores de vários estados registraram a morte de meio bilhão de abelhas nos últimos 90 dias, no país.

A realidade tem insistido em nos mostrar que não somente o mel e as ferroadas são a marca registrada das abelhas, mesmo que essa seja a percepção mais comum que nos acompanha desde criança. No fim das contas, a nossa sobrevivência depende da permanência delas na Terra.  Por isso, a pior das posturas hoje é achar que “nada disso é conosco”. Urge que o uso de agrotóxicos seja controlado e regulamentado. Urge que as abelhas sejam protegidas. Urge que a consciência sobre a proteção ambiental supere o individualismo nosso de cada dia.

Na Assembleia Legislativa, o meu mandato parlamentar está engajado, junto com outros deputados e deputadas, em diversas lutas em favor da sustentabilidade e da preservação da nossa fauna e da nossa flora. Faço parte da Frente Parlamentar em Defesa da Apicultura e integro a Comissão de Saúde e Meio Ambiente do Parlamento gaúcho. Só a mobilização coletiva pode suplantar a lógica de que a questão ambiental é um capricho, é uma pauta de “veganos”, como disse, pasmem, o presidente da República, ou é algo que serve para atrapalhar o desenvolvimento. A preservação ambiental é simplesmente imprescindível para a existência da vida.

Foto: Instituto Biológico / https://fotospublicas.com