Artigo – Uma grande estrela a nos iluminar e que não tinha medo de ser feliz 

Por Valdeci Oliveira –

Escrever sobre a partida de alguém que amamos ou que significou muito para nós não é tarefa das mais fáceis, pois cavar na mente em busca das imagens, dos momentos, dos gestos e olhares compartilhados ao longo dos anos se torna uma função por demais dolorida. Além disso, a memória por vezes nos prega peças, fatos e datas se misturam e a lembrança do convívio pretérito faz com que não aceitemos a ausência que nos foi imposta.

Falar – ou escrever – sobre o Eder Pompeo, que nos deixou no último dia 8 de abril, traz consigo toda uma carga emocional que torna essa tarefa ainda mais pesada. Conheci o Eder tem algumas décadas e não lembro exatamente se fui apresentado a ele ou ele a mim. Mas nesse encontro, desde o primeiro momento, vi que estava diante de alguém diferente, que não encontramos em qualquer esquina da vida.

O Eder era daquelas raras pessoas que compartilhava, de igual para igual, o sonho, a doçura e a sensibilidade de um humanista convicto com o espaço destinado ao racional, ao concreto, à pessoa que cobrava de forma dura e sem rodeios – mas sem perder a ternura -, posicionamentos acerca das situações conforme estas se apresentavam.

E se essas situações envolviam direitos sociais ou o colocavam diante de mazelas excludentes que marginalizam quem pouco ou nada tinha, o papo era ainda mais direto e não deixava dúvidas ao interlocutor sobre de que lado ele estava e a forma como achava que a questão deveria ser conduzida.

Eder não via problema algum em mudar de posição, desde que o contraditório o convencesse disso com argumentos consistentes, que não deixassem margem alguma para a dúvida, que mostrassem a ele de que aquele, e não outro caminho, era o melhor a ser trilhado – pelo menos naquele momento. Se estivesse convencido, abraçava a tarefa com unhas, dentes e coração. E daria tudo de si para ver a ideia concretizada.

Por vezes, a sua maneira gentil, humana e sempre muito educada de se portar – e assim era mesmo na hora da crítica e do embate – até ofuscava, ao menos à primeira vista, a percepção externa sobre sua obstinação que trazia colada ao corpo de tentar, de alguma forma transformar e equilibrar o mundo ao seu redor. Mas esse equilíbrio não era apenas para si, mas principalmente para ou outros. E para isso não media esforços, não economizava nos atos, não se importava com possíveis desgastes.

Quem tinha a sorte e o privilégio de conhecê-lo de perto, como era o meu caso, percebia, a todo instante e com uma clareza ímpar, o quanto ele se preocupava e se mobilizava para incluir, somar forças e construir oportunidades às pessoas – e quanto maior a quantidade mais empenho dispensava.

Foi com essa visão que ele atuou e se entregou de corpo e alma na ocupação da Nova Santa Marta e na luta pela moradia, nos movimentos comunitários e na Prefeitura de Santa Maria – quando tive o prazer de contar com sua presença na minha equipe -, na Escola Marista, no Projeto Esperança/Cooesperança, na rádio comunitária e em tantos outros locais e projetos em que esteve engajado, sempre imprimindo suas digitais de forma dedicada e carinhosa com quem estava ao seu redor. O Éder era uma verdadeira escola de igualdade e de solidariedade a se movimentar sobre duas pernas que o levavam onde fosse preciso estar.

Eu diria que, quando perdemos alguém como o Eder, com essas características tão marcantes e tão caras, a falta e a sensação de vazio nos vem em dobro, tamanha a lacuna que fica em aberto. Porém, em meio a tanta tristeza, já que esse amigo tinha ainda muita “estrada” pela frente e muitos desafios a serem enfrentados, um vácuo considerável de esperança e alívio surge quando lembramos que o Eder era um ser generoso demais, que pensava muito mais no próximo do que em si próprio.

E por destilar generosidade é que ele, por onde andou, deixou sua marca, compartilhou suas experiências, sonhos e aprendizados. Nada ficou represado para si ou para os seus. O Eder respirava coletividade, praticava o compartilhamento do conhecimento, era a síntese do significado do termo ‘companheiro’ – que é aquele que divide o pão.

Por essas e por muitas outras qualidades – e por que não também por seus defeitos – que ao nos despedirmos desse grande cidadão que não tinha medo de ser feliz, nós temos a certeza de que parte significativa dos valores que ele sempre defendeu continuarão presentes, pulsantes e vivos em Santa Maria e, em especial, na Região Oeste da cidade, espaço que adotou, foi adotado e pelo qual muito labutou e defendeu ao lado de muitos homens e mulheres de luta.

O Eder nos deixou cedo demais, mas a grande estrela que ele já se tornou vai iluminar a caminhada de muita gente que conviveu, conheceu ou tomou conhecimento do seu jeito de ser e agir.

Alguém já escreveu que a guerra importa menos do que quem está ao nosso lado na trincheira. E o Eder foi a prova de que a frase está correta.

Descansa em paz, amigo!

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)