Artigo: Ter moradia é um direito, não um favor

Depois de eleger a educação pública como inimiga, a aposentadoria do povo como o principal problema do Brasil, se desresponsabilizar pela segurança pública deixando para que as próprias pessoas se defendam armadas e colocar o Brasil de joelhos diante dos interesses dos Estados Unidos, o governo Bolsonaro escolhe como a bola da vez de ataque o direito à moradia dos mais pobres. Em entrevista recente, o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, externou as alterações que serão levadas a cabo pelo Palácio do Planalto no Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). As mudanças nessa política são justamente no segmento dos mais pobres, aqueles que ficam nas chamadas faixa 1 (para famílias com renda até R$ 1,8 mil) e faixa 1,5 (com renda até R$ 2,6 mil).

Aqueles que historicamente sempre foram excluídos das políticas governamentais quando o assunto era habitação (para não falar em outras políticas sociais), a partir de julho, não mais terão o direito a serem donos do imóvel e, sim, locatários do estado. Com isso, a União passa a ser a “dona” das casas e apartamentos. Com a medida, Bolsonaro tira o direito de posse dos mais humildes, acabando, assim, com o sonho de milhões. No lugar da conquista da casa própria, Bolsonaro lhes oferecerá apenas – se escolhidos – a condição de inquilinos.

As mudanças na política habitacional brasileira, após o impeachment da presidenta Dilma em 2016, resultaram em uma redução do orçamento, que foi de R$ 24,5 bi, em 2015, para R$ 6,9 bi investidos em 2016. Em 2019, o orçamento previsto é de somente R$ 4,1 bi. Para o atual governo, o povo – principalmente o pobre – tem um único direito: o de ser mão de obra barata para trabalhar até morrer ou morrer trabalhando. Para esta gestão, direitos são considerados privilégios, necessidades básicas são consideradas inimigas das contas públicas. A máxima é cada um por si e ninguém por todos.

Nunca é demais lembrar que, além do nosso ainda grande déficit habitacional, que faz com que famílias morem em áreas de risco, debaixo de lonas e pontes ou em moradias que sequer podem ser chamadas casas, o Brasil, como país membro da ONU, concorda no que é preconizado na Declaração dos Direitos Humanos, que prevê que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”. Talvez o governo não saiba que nosso país também integra, há exatos 23 anos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Assim, o Brasil deve reconhecer “o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida”.

Mas não nos surpreende que o governo federal, sob a égide do anti-intelectualismo, da antidemocracia, da perseguição aos diferentes, da negação ao direito de pensar e de ter trabalho e salários dignos, ignore também que os tratados e acordos internacionais assinados por gestões anteriores – ou seja, o Estado brasileiro – têm força de lei. E neste sentido se faz não só necessário, mas obrigatório, o seu cumprimento. E, há 19 anos, esse direito está em nossa Constituição, por meio da EC 26.

Esse direito foi respeitado e promovido à política governamental pelo menos entre os anos de 2009 e 2015, quando foram investidos no programa cerca de R$ 217 bilhões. Nesse período, o MCMV beneficiou 6,8 milhões de pessoas (, mais do que a população das regiões metropolitanas de Porto Alegre e Recife juntas ou da segunda maior cidade do país, o Rio de Janeiro. Foram entregues 1,7 milhão de moradias em mais de 5,2 mil municípios brasileiros. Se fizermos um levantamento até o ano passado, o programa foi responsável pela contratação de mais de 5,5 milhões de moradias, das quais 74% já entregues. Hoje, cerca 15 milhões de pessoas residem em um lar financiado pelo programa.

Moradia é dignidade, é ter o sentimento de pertencimento, é cidadania. Importante lembrar que Santa Maria, mesmo já tendo sido contemplada por diversos investimentos do Minha Casa Minha Vida e do PAC, ainda possui mais de seis mil famílias que buscam conquistar a casa própria.