Artigo – Santa Maria e região não podem aceitar o fechamento do Hemocentro

Em meio à pandemia da covid-19 e às suas consequências negativas de cunho social, emocional e econômico, Santa Maria tem agora mais um desafio pela frente: manter aberto e funcionando seu Hemocentro Regional. A notícia do seu iminente fechamento pelo governo do estado, se concretizado, é um daqueles fatos que poderíamos chamar de irracional, irresponsável, surreal. A medida, que já seria incompreensível mesmo antes da atual crise sanitária, se levada a cabo, repousará no panteão dos absurdos e das ações anacrônicas que temos visto nestes últimos 15 meses quando o assunto é apoio à saúde pública.

Trata-se de mais um entre os vários flancos já abertos na atual guerra que estamos enfrentando e que se somará a inúmeros outros não menos sérios. Entre eles, o baixo índice de vacinação da população (cujos números absolutos são utilizados para esconder os percentuais, que é o que realmente importa na avaliação do grau de imunização de uma população), a falta de renda das famílias, o desemprego absurdo e o plano de distanciamento controlado do governo gaúcho que continua dando errado. 

Tudo isso somado, o que temos até aqui é novamente o aumento paulatino da fome dos mais vulneráveis e a subida constante dos índices de contaminação, internação e óbitos, o que faz do Brasil – e o Rio Grande Sul incluído – um dos campeões no triste ranking de uma tragédia anunciada.

Fechar o Hemocentro Regional de Santa Maria ou simplesmente passar suas muitas atividades a outra instituição que não possua as condições técnicas e operacionais para tanto, e com isso transferir a responsabilidade de atendimento a uma demanda cuja ação envolve etapas altamente especializadas, resultará em insegurança à qualidade do produto e prejuízos aos usuários.

Nunca é demais lembrar que, em qualquer lugar do planeta, o sangue e seus derivados são revestidos de grande importância, pois ainda não se desenvolveu uma substância que possibilite, em sua totalidade, substituí-lo.

Fechar as portas do Hemocentro ou se isentar da responsabilidade de sua manutenção também demonstrará, mais uma vez, a falta de compromisso do governo gaúcho para com a saúde da sua população. Nesta lógica, tudo é uma questão de dinheiro, o que torna as escolhas do executivo gaúcho uma simples e repugnante contabilidade macabra. E isso não só ficará patente como vai esfarelar o discurso sempre utilizado pelo próprio governador, em sua cotidiana busca em se diferenciar do negacionismo federal, de que sua orientação é pela ciência, em defesa da vida e no apoio a políticas públicas voltadas à saúde.

Santa Maria é uma das sete regionais responsáveis pela distribuição de bolsas de sangue a hospitais do interior. O Hemocentro Regional fornece hemocomponentes para 14 estabelecimentos de saúde da Região Central. E o faz a partir de uma estrutura em conformidade com a segurança exigida pelas legislações técnicas vigentes, garantindo um atendimento gratuito e bancado pelo SUS e com uma equipe de profissionais da Secretaria Estadual da Saúde (SES), do Hospital Universitário e terceirizados.

Seu modelo de funcionamento, que há 12 anos veio para preencher a carência que havia na área, opera por meio de uma parceria entre o estado e a União e é reconhecido por toda a comunidade santa-mariense e dos 40 municípios hoje atendidos. E, desde então, vem cumprindo seu objetivo, apesar da luta árdua que é manter os estoques de sangue fora dos níveis críticos, convencer as pessoas a realizarem doações voluntárias e constantemente depender da mídia para convencer a sociedade de que doar sangue une, num só ato, posturas de solidariedade, preservação da vida e cidadania. Se for preciso adequações, que se discuta isso numa mesa de diálogo, com todos os atores envolvidos, interesses postos e avaliações tecnicamente sustentadas.

O que definitivamente não podemos admitir é que se dê um passo gigantesco para trás, principalmente diante de uma pandemia que não acabou. Aceitar isso passivamente por conta de alegados problemas de pessoal ou de gastos é fazer coro ao discurso de que tudo, incluindo a vida, é uma questão de cifras ou da quantidade destas.

Diante desse quadro no mínimo suspeito, estamos articulando desde já a mobilização de lideranças e entidades regionais vinculadas à saúde, incluindo, por meio da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, um pedido de informações e esclarecimentos à Secretaria Estadual da Saúde.

Quando fui prefeito, acompanhei de perto a luta pela criação do Hemocentro e sei da sua relevância. E não se trata de uma posição meramente pessoal, mas de todos que atuam no fortalecimento e qualificação dos serviços de saúde, principalmente o público.

Está mais do que na hora de os gestores públicos aceitarem que saúde não é gasto, mas investimento. A sociedade, que cotidianamente sente isso na pele, já entendeu isso há muito tempo. Falta aos governos terem essa percepção, evidenciada nesses últimos 15 meses de pandemia.

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)