Artigo – Retomar a corrente em defesa das universidades

Por Valdeci Oliveira –

A sensação é de que continuam a nos impor a assistir a um filme ruim já visto. A película, que
poderia ser classificada como terror ou drama, traz um roteiro requentado e uma direção
sofrível, dois pressupostos essenciais para que os atores possam desempenhar a contento suas
funções. O corte de nada menos que R$ 1 bilhão imposto pela Lei Orçamentária Anual (LOA)
de 2021 às universidades federais brasileiras, a exemplo do que vem ocorrendo nos últimos
anos, beira ao macabro, pois sabemos todos que cada centavo conta para o funcionamento
dessas instituições. Desse total, R$ 177 milhões foram ceifados da assistência estudantil, cujo
mérito é garantir a permanência de jovens oriundos de famílias de baixa renda no ensino
superior. Para quem não está familiarizado com os números, mais da metade das matrículas
são de jovens vindos desse segmento.


Na visão do pensamento oficial vigente, embalados por uma ideologia sustentada pela força
dos músculos, das armas e da irracionalidade, o conhecimento é perigoso, a crítica é
inaceitável e os rumos da vida são ditados por números que não levam em conta a importância
do saber. Com isso, sofrerão alunos, pesquisadores, professores e corpo técnico de 69
universidades brasileiras. Com isso, haverá cortes nas bolsas de estudo, atraso no pagamento
das contas de manutenção (neste sentido trata-se do menor valor em uma década), redução
nas atividades de extensão, entre outras inúmeras rubricas. E sofrerá também toda a
sociedade brasileira, mesmo aquela parcela que acredita não ter nada a ver com o problema e
por isso se isenta de toda e qualquer responsabilidade.


Atenta ao discurso da chamada “guerra cultural”, as garras do radicalismo ideológico daqueles
que chegaram ao poder em janeiro de 2019 buscam destruir o que até então existia para
implantar uma nova ordem, cujos preceitos repousam sobre o que há de mais antidemocrático
e excludente. Acreditam seus ideólogos que as universidades, principalmente as públicas, são
antros de comunistas, pedófilos e satanistas, quando, na realidade, essas instituições são
frequentadas pela diversidade existente na sociedade brasileira.


Essa visão, além de servir a propósitos políticos-eleitorais, dialoga com a precarização do
ensino superior público. A estratégia é simples, velha e maquiavélica: sucateadas, as
instituições públicas não conseguiriam oferecer à sociedade o retorno esperado. Assim,
imaginam seus operadores, não haveria sentido em manter um investimento minimamente
adequado nelas. Articulam as tais mentes neo e ultraliberais que, se a sociedade acredita ser
um direito que nossos jovens tenham acesso à universidade gratuita, que isso se faça por meio
de cheques-educação canalizados aos cofres de grandes grupos voltados ao ensino particular.
O projeto da LOA sancionado pelo presidente tem um corte de mais de 18% sobre o de 2020,
que sabemos esteve longe de ser o ideal. Retirar de forma paulatina e constante o
financiamento do ensino público superior brasileiro também encontra eco no que já foi
externado pelo próprio chefe da nação. Para ele, cabe aos filhos da classe trabalhadora apenas
aprender a ler, escrever e fazer contas para, aí sim, conseguir um ofício qualquer. Dessa forma,
os postos de trabalho qualificados, e por consequência os de melhor remuneração, ficam para
os rebentos da nossa elite aquinhoada, a mesma beneficiada por um sistema que acumula a
riqueza, não distribui renda e evita compartilhar conhecimento.


Mas essa política deliberada de apartheid social também reflete nos rumos do país, que se
torna refém do saber alheio, menos desenvolvido economicamente, de soberania frágil e dependente.
Uma fórmula inversa aos conceitos de patriotismo, tão em voga entre aqueles
que acham que para defender o Brasil basta se cobrir de verde e amarelo. Uma receita que foi
ampliada ainda em 2019, quando o governo federal contingenciou 30% de todas as verbas
destinadas às nossas universidades federais. Naquele ano, tamanha foi a irresponsabilidade do
ato, que grande parte da sociedade se uniu e foi às ruas lutar em defesa dessas instituições
O momento nos exige isso novamente. Como parlamentar eleito pelo voto democrático e
compromissado com as bandeiras da qualidade do ensino público universal, gratuito e de
qualidade, estou novamente cerrando fileiras com a nossa UFSM, UFRGS, UFPEL, Unipampa,
FURG, o Instituto Federal Farroupilha e com todas as entidades da sociedade civil
comprometidas com a educação para revertermos mais esse ataque de quem não vislumbra
um Brasil inclusivo nem detentor de conhecimento, independente. Novamente, estarei ombro
a ombro com aquelas e aqueles que creem na democracia, na ciência, na pesquisa e no
conhecimento. No Parlamento estadual ou fora dele, estarei dialogando e articulando ações
para garantir a autonomia universitária, o seu financiamento e o acesso da nossa juventude a
uma formação superior.


Como disse Paulo Freire, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela
tampouco a sociedade muda.

Imagem: Charge Fasubra Sindical

*Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)