Artigo: Renda Básica é vida digna no Rio Grande e no Brasil

Por VALDECI OLIVEIRA

Reconhecer nossas falhas enquanto sociedade é o primeiro e mais importante passo para saná-las. E o debate em torno da necessidade e do direito de que cada ser humano possua uma renda para uma subsistência digna é, sem dúvida, parte importante deste processo. Na próxima segunda-feira, às 10 horas, a Assembleia Legislativa fará a instalação da Frente em Defesa do Trabalho e da Renda Básica.

Nosso objetivo, a partir dessa iniciativa, é colocar o Parlamento estadual na articulação com outras forças vivas e representativas da sociedade na elaboração de propostas que aglutinem as diferentes visões existentes sobre os temas da promoção da dignidade, da geração de oportunidades de vida e da luta para desconcentrarmos a renda em um país que respira desigualdade. Esses temas e essas problemáticas sequer são novos, pois nos acompanham há séculos. A novidade aqui é que o caos sanitário em escala global obrigou os governos a saírem da inércia e a apresentarem respostas às demandas que bateram às suas portas.

Esse mesmo movimento em busca da criação de uma política pública de estado que atenda ao princípio básico da vida, que é vivê-la com dignidade e oportunidades, também está acontecendo no Congresso Nacional, com a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica, sob aval de 215 parlamentares de 23 dos 24 partidos que lá possuem representatividade política.

Com sua obviedade gritante, o princípio da concessão de uma renda básica é até simples, por mais que as disputas envolvam interesses complexos de segmentos sociais que ocupam o topo da chamada pirâmide social e acabam por dominar o debate político e controlar o orçamento público, que por direito é de todos e todas. Em linhas gerais, ela prevê que cada homem e mulher receba, mensalmente, independentemente de sua classe social, uma quantia, em dinheiro, que dê conta de sua subsistência. Aqui no RS, propusemos, em novembro do ano passado, a partir de um projeto de lei formatado após um amplo debate junto a economistas e representantes da Rede Brasileira de Renda Básica, o estabelecimento, por etapas, de uma política estadual para este fim, utilizando recursos já existentes do Fundo de Proteção e Amparo Social, criado em 2015. Estamos falando de atendimento imediato às parcelas mais vulneráveis.

O financiamento dessa e de outras políticas públicas é um debate que também precisa ser feito. Simplesmente dizer que não existem recursos para tal é reduzir a discussão sem levar em conta inúmeros fatores fiscais e tributários que há muito privilegiam justamente quem mais tem. E não há necessidade de se aumentar carga tributária, bastando que esta seja justa, racional e socialmente redistribuída. Para se ter uma ideia do que falo, as famílias que integram o seleto e exclusivo clube dos 10% mais ricos do país possuíam, em 2018, o mesmo que 56% da população brasileira. Hoje esse número é ainda maior. Com base em números oficiais divulgados pela revista Forbes, a ONG Oxfam listou os ganhos de 42 bilionários brasileiros no período da pandemia, entre março e junho. Juntos eles aumentaram suas fortunas em R$ 177 bilhões. Por outro lado, milhões de pessoas ficaram sem renda, perderam seus empregos, tiveram seus salários reduzidos, tiveram seus negócios prejudicados. É uma equação que não fecha.

Quando falamos em justiça tributária, precisamos considerar que o nosso modelo prima por taxar o consumo, sendo que mais de 90% da remuneração obtida pelos menos afortunados são gastos justamente no consumo. Propostas elaboradas conjuntamente pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, Auditores Fiscais pela Democracia e pelo Instituto Justiça Fiscal, indicam que se o Brasil começasse a tributar os super-ricos poderia arrecadar cerca R$ 272 bilhões. O que essas entidades destacam é que esses recursos – que poderiam passar a existir a partir de uma reforma tributária séria – viriam da taxação de grandes fortunas, da arrecadação de uma contribuição social sobre altas rendas e da arrecadação da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido sobre os setores financeiro e extrativista mineral, para ficar nos principais.

Infelizmente, aqui no estado, o governo vai na contramão e, apesar de toda retórica, perde a oportunidade e apresenta uma reforma tributária que aumenta os impostos sobre o consumo, não traz nenhuma linha sobre concessão de uma renda básica às parcelas pobres da população e alivia a mão sobre os mais abastados.

Mas a luta continua. E se depender da Frente Parlamentar que estamos criando, a partir de uma mobilização coletiva e da parceria de muitos lutadores sociais – como o ex-senador e atual vereador de São Paulo Eduardo Suplicy -, nós teremos, sim, em um futuro próximo, justiça social no Rio Grande com a concessão gradual da renda básica sendo uma realidade.

(Imagem: Fábio Lima/Gazeta do Povo)