Artigo – O Rio Grande não pode abrir mão da Procergs

Por Valdeci Oliveira –

Há coisas na vida, principalmente na administração pública, que de tão óbvias sequer necessitariam ir a debate ou render conflitos, bastando para isso o exercício da reflexão, levar em conta o interesse da sociedade enquanto grupo, considerar o real valor do “produto” ora em voga. E não se trata sequer de posição ideológica, mas de pragmatismo, racionalidade – e, quiçá, responsabilidade.

Na era da informação tecnológica, do alto fluxo e agilidade no trânsito de dados, da importância que estes exercem sobre o conhecimento e no auxílio na tomada de decisões – e da dependência a que ficaram sujeitas todas as sociedades a estes quesitos -, ignorar a relevância disso é se jogar à dependência de terceiros cujos desejos são distintos aos da maioria da população.

E esse cenário está se montando com mais uma privatização preparada pelo governo estadual com a venda da Procergs a setores privados ávidos por mais este naco do Estado. Um verdadeiro contrassenso quando vemos que o mundo se debruça justamente no uso e proteção de dados sigilosos, no combate à espionagem cibernética e no reforço às fragilidades dos sistemas de linguagem binária.

Ávidos porque sabem seu real valor, porque sabem que quem detém a informação detém o poder. Assim como a energia, a disputa por esse segmento é mundial, o que mostra a relevância desse tipo de ativo que envolve informações privilegiadas, sensíveis e confidenciais e análises complexas. E todos já assistimos a esse filme: vende-se a empresa para em seguida contratar quem a adquiriu por um valor maior que aquele dispensado para sua manutenção. Uma postura, inclusive, que vai contra qualquer manual básico de Administração.

E não o é por economicidade, agilidade ou capacidade técnica, visto que a Procergs é referência em tecnologia da informação, a chamada TI, em nível nacional. É ela, por exemplo, a responsável pelo desenvolvimento, operação e processamento da Nota Fiscal Eletrônica de quase todas as empresas do país. E esse resultado é o reflexo de seus 40 anos de atuação, com pesados investimentos públicos.

E o indicativo desse desejo de entregar mais uma empresa pública se deu em junho, assim que os deputados e deputadas que dão sustentação política ao governo na Assembleia Legislativa retirarem da população o direito desta em opinar, via plebiscito, sobre privatizar ou não empresas públicas, mesmo estas sendo rentáveis e não dependerem dos cofres estatais para sua atuação. Na ocasião, a direção da Procergs determinou a desativação dos seus escritórios regionais em vários municípios, sinalizando uma política de desmonte, esvaziamento e desestruturação da empresa.

A Procergs é uma companhia especializada no desenvolvimento de soluções de alto valor agregado, atua em 100% dos órgãos do executivo estadual e processa diariamente milhões de transações vitais.

A pandemia da covid-19, que num primeiro momento nos remete somente à área da saúde, ilustra muito o que digo. Todos os cruzamentos de dados, elaboração de estatísticas, gráficos e formatação de estudos passaram pela Procergs, que atuou em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde e outros órgãos responsáveis pelo enfrentamento à doença. Foi a partir do seu conhecimento técnico que foram sistematizadas as informações epidemiológicas vindas de cada canto do RS e dada a real dimensão do caos sanitário. Foi na Procergs que se criaram os modelos de enfrentamento à pandemia no estado, como o Sistema de Distanciamento Controlado e depois o Sistema 3 As de Monitoramento (Alerta, Aviso e Ação). 

Foi também na pandemia que a Procergs superou com desenvoltura muitos obstáculos, colocando em menos de uma semana milhares de servidores em trabalho remoto, garantindo que o estado não ficasse paralisado sequer um dia. A atuação da Procergs está também na Educação, na Segurança, na área Fazendária e financeira e na computação dos índices econômicos de cada uma das regiões gaúchas, dados que em mãos erradas trarão resultados temerários e incalculáveis ao RS.

Se tais informações são importantes para a iniciativa privada, que as disputam numa verdadeira briga de foice, da mesma forma são a governos e estados. Se elas valem até mais do que ouro para grandes grupos e corporações multinacionais, por que não teriam o mesmo peso quando falamos em poder público? Mais que indagações retóricas, esses questionamentos precisam ser feitos pela sociedade civil na defesa do interesse coletivo. Mesmo no capitalismo nem tudo se resume a ganhos ou perdas, muito menos a retornos imediatistas, mas a resultados – e efeitos – de longo prazo.

O RS não pode abrir mão dessa grande ferramenta que é a Procergs, um instrumento valioso e potente de promoção do desenvolvimento, ainda mais quando vivemos na era do conhecimento, da informação e da tecnologia. Se o fizer teremos retrocesso e dependência tecnológica, que nos colocará refém daqueles que, de posse das informações, nos “venderão” a um preço que seremos obrigados a pagar. Será um “aceite e não discuta”.

Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br