Artigo – O mesmo Luiz que assombra o “mercado”, assombra a fome e a pobreza

Por Valdeci Oliveira –

A decisão do ministro do STF Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula por entender – e seguir o previsto na legislação – que estas não poderiam ter sido realizadas pela 13a Vara Federal de Curitiba e remeter os processos para a Justiça do Distrito Federal caiu como uma bomba nos meios políticos e econômicos brasileiros. São inúmeras as avaliações que buscam entender o que levou o magistrado a tomar tal medida. Independentemente do xadrez que está sendo jogado na Suprema Corte, da minha parte, acredito que o ministro fez o que devia ter feito há muito tempo.

A volta de Luiz Inácio à cena pública trouxe de pronto fatos bastante positivos para a população, pois mostrou que uma das mais importantes vozes da política brasileira do período pós-redemocratização tem ainda muito para propor e agir. Lula voltou aos holofotes nacionais mostrando ótima forma física e retórica e apontando, com firmeza, que devemos fortalecer a nossa democracia e lutar pelo acesso de todos os brasileiros e brasileiras ao emprego, à renda e à vacinação contra a covid-19.

O discurso de Lula coincidentemente fez com que Bolsonaro recorresse à proteção da máscara facial em público e passasse, como mágica fosse, a defender a vacina. Se este fosse o único resultado prático, eu já me daria por satisfeito, pois aquele que esquenta a cadeira presidencial só age de forma racional quando algum oponente de peso praticamente o obriga a fazê-lo. Algo parecido aconteceu quando João Dória, de quem divirjo politicamente, tomou à frente na aquisição do imunizante contra o coronavírus. Com o drible de Doria, o presidente foi obrigado a sair do marasmo e a ir atrás dos laboratórios.

Mas a decisão de Fachin também mostrou o quão insensíveis e ignorantes somos enquanto “investidores” e enquanto “mercado financeiro”. Bastou os sites noticiosos divulgarem o restabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente para que um tal “risco Lula” – numa clara chantagem à sociedade – voltasse à baila e passasse a ser incluído nos relatórios de análise distribuídos a investidores. Nele, o Ibovespa fechou naquele dia em baixa de quase 4%. Estranho, pois esse tal “mercado” ganhou muito nas duas ocasiões em que Lula presidiu o Brasil, pois não sofreu expropriação, teve seus contratos respeitados, sua segurança jurídica garantida.

Esse tipo de postura nos mostra uma diferença gritante de posição e avaliação. Em 20 de junho do ano passado, um sábado, o Brasil registrava 50 mil mortes pela covid-19. No dia seguinte, encostou nos 51 mil óbitos. Foi uma comoção nacional, pois naquele final de semana havíamos chegado a um número até semanas atrás inimaginável de vidas perdidas. Não acreditávamos, pois era um volume muito alto de perdas humanas. No final da segunda-feira seguinte, com a contabilidade macabra tendo aumentado mais, a cotação da moeda norte-americana havia caído 0,89%. Na parcial daquele mês, mesmo com a curva da tragédia em ascensão, ela havia acumulado uma queda de 1,24%. E a Bolsa vinha de quatro altas seguidas, com muita gente ganhando rios de dinheiro. Lembremos que dólar em baixa e bolsa em alta são sinais positivos do dito mercado. Naquela semana, o Ibovespa terminou o pregão com alta de 1,7%, a 95.983,09 pontos, todos intocáveis, apesar das pilhas de cadáveres.

No início deste ano, mais precisamente em 7 de janeiro, a dor da perda chegou a 200 mil famílias em nosso país. Naquele dia a bolsa de valores superou os 122 mil pontos e encerrou em nível recorde. Estudiosos do tema dirão que uma coisa não tem nada a ver com a outra e, para sustentar tal discurso, discorrem uma massaroca de termos. O fato é que os chamados investidores não têm tempo para a compaixão. Para eles, tempo é dinheiro e não vidas perdidas pelo atraso de que eles mesmos participam e, de certa forma, patrocinam.

Lula, que colocou o país entre as seis maiores economias globais, tirou o Brasil do famigerado mapa da fome, colocou o filho do trabalhador na universidade e terminou seu mandato beirando os 90% de aprovação, não é um risco para o Brasil. Em vez de ouvir o conselho genérico do dito “mercado”, recomendo a avaliação feita pelo megainvestidor alemão-americano Mark Mobius, publicada nos sites UOL e Yahoo. Na opinião dele, um eventual novo governo de Lula não seria necessariamente ruim para os mercados: “(o ex-presidente) não nos assusta e se seu populismo resultar em um surto de crescimento, tanto melhor”. Mobius emendou ainda que o programa Bolsa Família “foi um passo importante para o país e esperamos que o seu retorno resulte em mais iniciativas desse tipo. Podemos esperar que, como no passado, ele se envolverá em grandes repasses do governo aos pobres e em grandes projetos de infraestrutura agora que os preços das commodities estão se recuperando. Isso poderia dar um grande impulso à economia. Neste mundo, como vemos no programa de gastos de Biden (presidente dos EUA), grandes gastos do governo estão em voga, então Lula não será culpado por isso.”