Artigo: Escancarar as portas do Regional é urgente

Por VALDECI OLIVEIRA 

Desde o início da pandemia pelo novo coronavírus, uma série de protocolos foram elaborados para controlar a disseminação da Covid-19. Com o mundo ainda tateando a melhor forma de fazer isso, a orientação das autoridades era aplicar o distanciamento social ampliado, o funcionamento parcial da economia – limitado a setores essenciais-, a testagem em massa e o rastreamento dos infectados como forma de controlar o contágio. Tudo isso acompanhado pela ampliação da oferta de leitos, pessoal capacitado, insumos e equipamentos médicos.

Nos lugares onde essa sequência de normas foi praticada, o tempo acabou mostrando que, mesmo sendo um remédio amargo, o respeito a elas se mostrou a melhor resposta até que se chegue a uma vacina. Porém, outras opções estavam sobre as mesas dos governos, e aqueles que optaram por utilizá-las experimentaram o agravamento da doença, uma crescente taxa de infectados, um aumento dos óbitos e maiores dificuldades para a retomada econômica.

Aqui no Rio Grande se utiliza um modelo batizado de “distanciamento social controlado”, um conjunto elástico de regras e indicadores que, quando cruzados, apontam o grau de “periculosidade” da pandemia e ditam uma série de restrições – ou não – sociais. Na prática, os gaúchos ficaram entre dois mundos – o do isolamento nem tão amplo e o do relaxamento parcial ou total -, com o governo voltando atrás de acordo com a intensidade da pressão exercida pelas lideranças políticas e econômicas regionais.

Foi uma aposta alta feita pelo governador, que – nesse jogo – vem perdendo muitas de suas fichas para o oponente. O problema é que, no jogo da vida, as “fichas” são pessoas de carne e osso, que possuem famílias, precisam ser internadas e muitas, com agravamento da doença, entubadas. E nessa fatídica e inglória travessia, os óbitos acumulam-se.

A questão aqui não é de buscar soluções distintas para o mesmo problema, mas não aprender com o erro alheio, com o erro, por exemplo, cometido em Milão, no Norte da Itália, ainda em fevereiro. Lá, o descaso à prevenção custou inúmeras vidas, e o mundo inteiro assistiu isso de camarote. E Milão é somente um entre inúmeros exemplos.

Uma vez que o governo gaúcho escolheu por agir pelo final do processo, que é a abertura paulatina de leitos (necessária, por óbvio), minimizando os outros pontos, que o faça de forma firme. Prefeitos estão pedindo socorro, anunciando que não têm mais como receber doentes e que a falta de pessoal e de insumos é uma realidade presente. Estamos vivendo uma equação onde nem a economia e muito menos a prevenção estão saindo vitoriosas.

Nesse cenário adverso, Santa Maria – que tem até o momento mais de 700 casos confirmados, 5,3 mil suspeitos e, infelizmente, 18 óbitos – a Região Central e outras regiões próximas, caso da Fronteira Oeste e Missões, clamam pela abertura total e imediata do Hospital Regional. Hoje, esse imponente complexo de saúde dispõe de somente 10 leitos para tratamento intensivo (além de 40 de retaguarda). Outros 10 leitos de UTI são prometidos pela Secretaria Estadual da Saúde para até o final deste mês. O agravante aqui é que o Regional tem se configurado num tema envolto em anúncios não concretizados ou implantados a conta-gotas.

A abertura total dessa importante unidade, infelizmente, segue fora do horizonte governamental no emblemático ano de 2020. Talvez isso venha a ocorrer no ano que vem, se houver espaço orçamentário para tal. Essa previsão me foi apresentada na última reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa por representantes do Executivo estadual após mais uma cobrança feita por mim a respeito, uma prática parlamentar que tenho utilizado semanalmente, desde 2016, após a conclusão das obras.

Pois eu sigo e seguirei batendo na tecla: a hora de abrirmos integralmente o Regional é agora, no contexto da Covid-19. Isso é decisivo para defendermos vidas hoje, amanhã e no pós-pandemia. Ou alguém acha que, passada a fase mais forte dessa crise, nós viveremos uma época de tranquilidade? O cenário a seguir é tão ou mais preocupante, pois os atendimentos a outras enfermidades – que estão fortemente represados hoje – tendem a “inundar” a rede de saúde já limitada e subfinanciada. O cenário a seguir é um cenário que continuará – a menos que haja uma estrondosa mobilização em contrário – registrando os efeitos nefastos da Emenda 95, que a cada ano retira um “caminhão” de dinheiro do orçamento federal. O cenário a seguir, ao que parece, continuará sob a égide do governo Bolsonaro, o que, talvez, seja o maior dos entraves

É por conta desse “estado de coisas” que a mobilização para escancarar de vez as portas do Hospital Regional se tornou imprescindível. O que, meses atrás, era uma necessidade se tornou, agora, uma urgência. Essa é uma luta a ser travada todos os dias, em todas as instâncias, com todas as nossas forças. Definitivamente temos de pensar na vida, pois até agora, apesar dos discursos, se pensou em muita coisa, mas pouco nela.

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)

Foto/Imagem: Davidyson Damasceno/IGESDF