Artigo – Cada vez mais, o jornalismo e os jornalistas são fundamentais

Por Valdeci Oliveira –

Há valores humanistas que nos são muito caros, valores dos quais não podemos abrir mão. E somente quando são retirados é que a maioria das pessoas se dá conta de sua relevância. E, sem sombra de dúvidas, a liberdade de imprensa está entre eles. Ontem, dia 7, foi celebrado o Dia do Jornalista, data que sugere uma reflexão da sociedade sobre a conjuntura que estamos vivenciando nos últimos anos.

No ano passado, para ficarmos num passado recente, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) contabilizou e denunciou 430 agressões, verbais e físicas a profissionais e a veículos de comunicação no Brasil.

Fora a grande quantidade de ocorrências, que por si só já é absurda, o mais preocupante é que parte considerável dessas agressões, mas de 30%, partiram justamente da maior autoridade do país atualmente, quem, por dever do ofício, deveria defender e zelar pela democracia, a pluralidade de ideias e garantir o trabalho de uma imprensa livre de amarras e da censura.

Para quem acompanha, mesmo que minimamente a política nacional, não se surpreende mais à verborragia oficial – tanto cínica quanto explícita – de que os homens e mulheres que fazem do jornalismo sua profissão estão entre os inimigos a serem combatidos e tombados.

Os fatos têm nos mostrado, quase diariamente, que a imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura civil-militar instaurada a partir de 1964. Mas não somente a imprensa. Qualquer um corre esse risco, basta pensar diferente dos seguidores de certa corrente de pensamento ora em voga, que tem colocado a democracia e nossas instituições à prova todos os dias, onde as narrativas oficiais são construídas a partir de informações falsas e que são difundidas por meio de discursos de dirigentes governamentais e difundidos pelas redes sociais e grupos de aplicativos como WhatsApp e Telegram.

Estamos falando de uma conjuntura em que a verdade dos fatos não mais importa e sua distorção faz parte de um receituário onde quem questiona é ameaçado, quem discorda é perseguido, quem faz jornalismo sério e responsável tem sua reputação achincalhada em ações de ódio orquestradas.

Ontem, no Dia do Jornalista, entregamos, dois anos depois (o adiamento se deu por conta da pandemia), a Medalha da 55ª Legislatura ao jornalista e professor Felipe Boff, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, a Unisinos.

O profissional, que tive o privilégio de conhecer pessoalmente durante a homenagem, havia feito, em 2020, enquanto paraninfo de uma turma de formandos e futuros colegas de ofício, um discurso corajoso e muito realista em defesa da liberdade de expressão e de imprensa. Apesar de precisa e não conter nenhuma inverdade, a fala gerou vaias e tentativas de agressão de parte do público identificado com o extremismo verde-amarelo vigente.

A insensatez e a virulência fizeram com que Boff precisasse ser escoltado. Ao contrário da turba, os formandos ficaram em pé, em total apoio ao professor. E, ao final, o aplaudiram por um longo tempo, pois naquele momento puderem sentir de perto o hálito da selvageria, a força da ignorância e a presença da irracionalidade em estado bruto. O ato de ficar em pé foi um gesto de resistência, de repulsa à violência sofrida pelo mestre, de demonstrar que não se curvariam aos incrédulos da democracia, da tolerância, da liberdade.

Aqueles jovens tiveram naquele momento uma pequena mostra do que é ser jornalista num pais governado pela boçalidade, em que lideranças políticas não só defendem a tortura como veneram torturadores. Também tiveram claro que jornalista não tem que ser amigo de governante, muito pelo contrário, tem que ser a pedra no sapato, mostrar aquilo que não querem que se veja, que está nas entrelinhas.

Ouso dizer que, aquele momento, lhes valeu, de forma prática, por muitas aulas em disciplinas como ética, sociologia, ciência política. Vivenciaram na prática um momento que repercutiu, chamou a atenção e colocou o tema da censura em debate. Difícil medir a importância, que sem dúvida foi grande.

O que tenho certeza é que ele foi exemplo e deu motivos a muitos para darem a excelência devida àquele ato. A Medalha da 55ª Legislatura foi um desses resultados, pois, sem liberdade, sem garantias, a função primeira do jornalismo não tem como ser exercida.

A Medalha que entregamos ontem ao professor Boff, uma homenagem simples, mas sincera, simboliza um reconhecimento coletivo a uma categoria que não se cansa de lutar contra o obscurantismo. E também significa um recado aos setores da sociedade que vem minimizando esse problema, pois sem liberdade de imprensa não há democracia.

(Artigo originalmente publicado em www.claudemirpereira.com.br)