Por Valdeci Oliveira –
Indiscutível o fato de que cada governo eleito tem a legitimidade para aplicar políticas que entenda necessárias para a sua administração. Da mesma forma, são legítimas as críticas ou discordâncias que estas venham a receber da sociedade. Assim como milhares de gaúchos e gaúchas, fui pego de surpresa, e com certa incredulidade, quando li na imprensa que o Executivo estadual estava destinando meio bilhão de reais ao governo Federal para que este venha a concluir obras, de responsabilidade da União, em rodovias federais no RS.
Certamente não seria essa a minha reação se eu morasse em um estado onde diversos setores da sociedade não aguardam por soluções que dialogam com suas necessidades concretas, imediatas. Por mais que eu respeite quem pensa ou aja diferente de mim – e defendo esse princípio para além do discurso -, não há como concordar que, na atual conjuntura, mais de R$ 490 milhões sejam “doados” à União para esta cumprir com o seu dever e responsabilidade.
Falo a partir de um cenário onde os efeitos da estiagem continuam sem uma resposta efetiva por parte do governo central, a não ser o anúncio de recursos que até o momento não pingaram por aqui. Na prática, o RS continua sendo visto em Brasília como um estado rico, com chuvas regulares e cujo modelo de vida se baseia em fotos turísticas de lugares como Gramado e Canela.
Falo a partir de uma realidade que continua a castigar a população quando se trata de acesso à saúde, de ensino com qualidade, da falta de três refeições diárias para um imenso exército de “invisíveis”, da inexistência de políticas públicas voltadas à habitação, à geração de trabalho e de renda. Vivêssemos em um estado muito diferente do atual – em que trabalhadores e trabalhadoras estaduais continuam precisando de uma complementação remuneratória, tipo abono, para que seus vencimentos alcancem o valor do salário mínimo, em que a agricultura familiar carece de acolhimento e apoio estatal, em que as ações de proteção e defesa do meio ambiente não encontram respaldo -, mesmo assim, repassar uma quantia considerável de recursos ao ente federal já seria discutível.
E nesse raciocínio é importante que tenhamos claro que, a partir da adesão do RS ao Regime de Recuperação Fiscal, buscado por quem hoje destina importantes recursos orçamentários à União, ficaremos, em resumo, engessados pelos próximos 10 anos em termos de investimentos em serviços públicos. Nesse período, o gerenciamento de nossas ações será feito pelo Ministério da Fazenda, que terá a palavra final.
Também é preciso levar em conta que, somente com emendas de relator, o famoso “orçamento secreto”, o Palácio do Planalto está movimentando R$ 15 bilhões cuja destinação é indicada por parlamentares que o apoiam politicamente, sem que isso fique claro para a sociedade brasileira.
Justificar dificuldades do ente maior para a este canalizar importante fatia da riqueza produzida pela sociedade gaúcha – que, repito, esta sim carente em vários sentidos – é, com todo respeito que tenho pela figura do agora ex-governador Eduardo Leite, algo inconcebível. O ineditismo desta ação não encontra sequer apoio unânime junto à base de apoio ao seu governo.
Sabedor dos enormes desafios que qualquer governante passa a enfrentar no momento em que ocupa a cadeira de chefe de um poder executivo, enquanto presidente do Parlamento estadual tenho defendido, diuturnamente, o diálogo franco e transparente para que possamos superar os obstáculos e dificuldades.
Enquanto espaço político e democrático, reflexo das mais diferentes visões sociais, a Assembleia Legislativa está e continua aberta à concertação necessária para que avancemos rumo a uma sociedade mais justa e igualitária. Mas, sem sombra de dúvida, não é drenando recursos já escassos que conquistaremos esse objetivo.
(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)
(Imagem: Escola do dinheiro online)