Artigo – A Páscoa 2021 e a urgência da solidariedade, do acolhimento e da esperança

Tanto o significado como o simbolismo da Páscoa, essa verdadeira mostra de fé que cristãos e cristãs professam há mais de 2 mil anos, ganham, neste ano de 2021, um caráter para além da religiosidade. Numa analogia direta, eles nos mostram que o calvário que estamos percorrendo – com a pesada cruz sobre nossos ombros, assim como o foi com aquele que ousou enfrentar os poderosos de sua época, não negou ser quem era e optou em ficar ao lado dos excluídos e dos desgraçados pela mão pesada do sistema então vigente – não poderá ser em vão. Eles, o significado e o simbolismo da morte e ressurreição daquele homem de carne e osso, rejeitado e acusado, nos impõem o desafio de encarar que o peso de 4 mil óbitos diários por conta de uma pandemia que se encontra sem controle não são meras estatísticas, que a morte que nos espreita em cada canto não são oriundas de algum castigo divino, que a falta de atendimento médico não se trata de um simples ‘faz parte do jogo’.

A Páscoa de 2021 pede que olhemos para dentro de nós mesmos e avaliemos qual o nosso papel neste cenário caótico que diariamente tenta nos roubar a utopia, que procura, com suas circunstâncias mil, nos despir do caráter humano, enviesar nossa visão e senso crítico e nos jogar na vala comum da ignorância, do obscurantismo e do individualismo.  Para além da reflexão, a Páscoa de 2021 clama pela urgência de estendermos a mão a quem tem medo por si e pelos seus. Ela insiste para que não paremos de enxergar e buscar entender a beleza e a fragilidade da vida. Nos mostra que dividir o pão não resulta apenas em saciar a fome alheia.

A Páscoa de 2021 coloca diante de nós a urgência da solidariedade, do acolhimento, do compartilhar a esperança de que dias melhores virão. E, como se tivesse braços, ela irá nos mostrar que também podemos segurarmos aqueles que caem pelo caminho, confortar a dor do vizinho, abraçar, mesmo que distantes, quem carece de calor humano.

Nestes dias tão sombrios e que parecem não ter fim, a Páscoa nos pede que continuemos caminhando, sentido o vento em nossos rostos como se este fosse a brisa da razão, uma lufada contínua de força e de esperança. Ela nos indica que mesmo a chuva mais fria tem sua razão de ser, que ao cair sobre a terra será ela a fazer com que uma nova vida brote, que um recomeço apareça e seja a base sólida e segura para os nossos pés.

A Páscoa de 2021 também nos pede licença para um minuto de prosa para nos dizer que a injustiça é inaceitável, que o que é possível de ser reconstruído não pode ficar acima do que é irrecuperável como a singularidade da vida. Que é compreensível nos revoltarmos diante da perda, sem, com isso, aceitá-la docilmente, ainda mais quando provado ser ela muitas vezes evitável.

A Páscoa de 2021 está batendo à nossa porta para nos dizer que a fé e seus mistérios não anulam e não negam a ciência, que homens e mulheres são seres que se complementam, que a alegria de viver deve ser emoldurada em nossas paredes como se uma alegoria vistosa fosse, cheia de cores e com as mais diferentes possibilidades para ser usufruída.

A Páscoa de 2021 está nos pedindo passagem para poder chegar aos nossos corações e mentes e depositar ali sua contribuição para que nunca nos esqueçamos que dependemos uns dos outros, que vivemos num mesmo espaço de tempo e lugar, de que não há diferença na dor ou no luto, de que todos temos o direito a um lugar ao sol.  Ela também nos lembra de que quando atuamos unidos somos mais fortes, como bambus diante de um forte vento, de que caminhar juntos faz com que as longas distâncias sejam vencidas com menos esforço e perigo e de que o peso do tortuoso cotidiano pelo qual estamos passando tende a se tornar infinitamente mais leve se mais pessoas ajudarem a carregá-lo.

A Páscoa de 2021 também chega para não nos deixar esquecer de que no terceiro dia, ou em qualquer outro da nossa existência, tudo aquilo que de bom que cada ser humano possui, mas que estava soterrado por infinitas camadas de preconceito, medo e individualismo, pode ressuscitar. E assim fazer com que as agruras e incertezas da vida não se sobreponham à sua beleza, de que nunca devemos parar de questionar, buscar respostas, dialogar com o diferente, duvidar do que nos é posto como imutável e também acreditar em nós mesmos. E o mais importante: mostrar que somos capazes de amar sem pedir algo em troca, de ensinar e de aprender.

Que todos e todas tenham uma feliz e segura Páscoa. E que a sabedoria e a bondade daquele homem de nome Jesus estejam sempre presentes em seus lares.

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)