Artigo – A democracia nos une

Por Valdeci Oliveira –

De socialistas a liberais, de progressistas a conservadores – incluindo a sua vertente de extrema-direita, quando esta quer passar ao público a imagem de democrata -, se tornou lugar comum utilizar a frase dita pelo ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill de que a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais. No caso de Churchill, um frasista famoso, a citação era para pensar a respeito de que ela, a democracia, não era perfeita e, sim, tinha lá seus problemas. Porém, ainda assim, era o melhor dos sistemas políticos até aqui colocados em prática. Tenho lá minhas divergências – e não são poucas – com o homem que liderou a Inglaterra contra o nazi-fascismo na Segunda Grande Guerra, principalmente por ele, ao longo de sua carreira, ter sido um defensor da supremacia branca e do uso de armas químicas contra povos que considerava “não civilizados”. Mas quanto à democracia, a concordância é total, mesmo que, de tanto ser utilizada, muitas vezes da boca para fora, ao longo do caminho a expressão tenha perdido o que tinha de originalidade quando pronunciada na década de 1940.

Sem democracia o que temos é o caos, a barbárie e a lei do mais forte.

O que o país presenciou em 8 de janeiro de 2023 foi a tentativa de suprimi-la. E 60 anos atrás, foi o exemplo posto em prática num triste capítulo da nossa História que durou 21 longos anos, com prisões de opositores, tortura, morte e desaparecimento de presos políticos. A democracia, e a nossa em particular, precisa ser sempre acompanhada de perto, regada como uma planta, protegida. Sim, como todas as outras, além de não ser perfeita ela é frágil. Até porque, quem busca sua derrocada utiliza dos instrumentos dela próprios para corroê-la por dentro.

Nesse um ano da tentativa de golpe de estado, levado a cabo por uma turba ensandecida e insensata, que não aceitou o resultado das eleições presidenciais, alimentada pelo ódio e por uma enxurrada de informações falsas e discursos contra as instituições brasileiras, vimos que, de verdade, a democracia nos une. A partir dela, fomos fortes o suficiente para defendê-la e capazes de cerrar fileiras com opositores políticos para que os falsos profetas não avançassem. Passado um ano, nem todos “os bois” estão com nomes. Mas é uma questão de tempo, que envolve presunção da inocência até prova em contrário, investigação e justiça, todos esses elementos básicos de uma democracia digna de levar esse nome.

Por outro lado, considerar todos esses pré-requisitos democráticos e, como disse o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, buscar a paz e a união da sociedade não pode, de forma alguma, significar – nem ser confundido – com impunidade. Acreditar que se tratava de velhinhas com a bíblia numa mão e a bandeira do Brasil na outra, narrativa defendida pela extrema-direita verde e amarela, é menosprezar a inteligência alheia, é negar centenas de horas de imagens, é se utilizar de um modus operandi de um segmento da nossa sociedade que, para modelar a opinião pública, ignora os fatos realmente objetivos e busca apelar às emoções e às crenças pessoais para construir uma narrativa que não condiz com a realidade.

O que Churchill não disse, talvez por uma questão de conjuntura ou de crença mesmo, é que a democracia – que não se resume apenas em votar e ser votado – pode sempre ser ampliada, dando voz a um sem número de homens e mulheres que, por infortúnio ou desinformação, ficam alijados dos processos de escolha e discussão – e dos orçamentos. E neste sentido, pode-se considerar a ampliação dos recursos destinados à saúde, educação e moradia. Ou dos conselhos, que são estruturas que permitem a formulação e aplicação de políticas públicas pelos governos em parceria com representantes da sociedade civil organizada.

Desde o início da nova gestão do presidente Lula, talhada no diálogo, a democracia tem tido um lugar de destaque, tem-se buscado incessantemente pela reconstrução do país, pela defesa e tolerância aos diferentes e pela recuperação do chamado tecido social. A título de exemplo, o primeiro desses organismos a ser recuperado – e foram perto de uma dezena – foi justamente o primeiro que havia sido extinto pela gestão passada: o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), essencial para a formulação e aplicação de políticas de combate à fome.

Como vemos, a democracia nos une, inclui e faz com que a riqueza de uma nação seja melhor distribuída. Sem dúvida, nesse sentido, Churchill tinha razão.

Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados