Artigo – 32 anos de proteção à vida sem emitir boletos

Por Valdeci Oliveira –

Quem diria que, em tempos de negação do estado e da ferrenha luta de alguns por sua redução, um setor do Poder Público se mostraria como o fiel escudeiro dos brasileiros e brasileiras. Nesta semana, o Sistema Único de Saúde, o nosso SUS, completou 32 anos dando mostras a todos que sua existência e manutenção se tornaram fundamentais, uma questão entre vida e morte para milhões num cenário de caos sanitário advindo pela pandemia da covid-19.

Está lá, no artigo 196 da nossa Carta Maior, a Constituição de 1988, a garantia de que toda pessoa em território nacional, independentemente da sua renda, credo, etnia ou opção ideológica, deve ter acesso universal e gratuito a um serviço de saúde, que cobre do atendimento a uma simples torção muscular a um complexo transplante de órgão. Mas o texto, que sofria grande oposição no Congresso, principalmente dos representantes do agronegócio, da indústria e do sistema financeiro, só foi aprovado por força da mobilização popular e muita negociação feita pelos parlamentares do campo progressista.

Para ver o tamanho da importância do SUS, basta imaginarmos como seria a nossa travessia nesse calvário que tem sido a pandemia – que fechará esta semana tendo ceifado quase 150 mil vidas – sem um serviço público de saúde do tamanho do SUS, o único no mundo a oferecer assistência a 200 milhões de pessoas. Porém, a desinformação, os ataques e as campanhas midiáticas sobre a sua percepção fazem com que significativa parte da população não veja nele a sua real relevância.

Antes de criticá-lo por falhas em seu atendimento, é preciso entender que o Sistema, desde o seu nascimento, nunca contou com um financiamento ideal por parte do estado brasileiro. Mesmo nos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma, que proporcionaram uma melhora significativa no suporte financeiro da saúde pública, o SUS, ainda assim, ficou carente de um apoio mais robusto. Para efeitos comparativos, a execução per capita de verbas aplicadas pelo Ministério da Saúde, entre os anos de 2003 a 2014, mais que dobrou, passando de R$ 244,80, em 2003, para R$ 595,00, em 2014 (em 2020, o indicador caiu para R$ 555,00). Para os estados e municípios, a quantia foi multiplicada em quatro vezes, saindo de R$ 15,8 bilhões, em 2003, para R$ 69,5 bilhões, no mesmo período.

A partir do impeachment da presidenta Dilma, o que o SUS vivenciou – assim como todas as políticas públicas de cunho social – uma redução brutal dos seus valores. Com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) 95, em 2016, uma das primeiras medidas do governo de Michel Temer, os gastos públicos (incluindo os da saúde) foram congelados por 20 anos. Até esse ano, foram R$ 22,5 bi a menos no orçamento da área em função dessa emenda.

E hoje o governo Bolsonaro segue trabalhando pelo desmonte do sistema. Um dos atestados da precarização em curso da saúde – mesmo em meio a uma pandemia – está no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentários do ano que vem. O PLDO 2021 – já enviado ao Congresso Nacional – prevê a retirada de mais de R$ 35 bi do piso emergencial da saúde. Se isso for aprovado, mais adoecimentos e mortes serão geradas. Por isso, apoiamos a petição pública do Conselho Nacional de Saúde que exige a manutenção do piso e a revogação da EC95.

Sobre a importância de termos um sistema público, gratuito e universal, o que é, conforme a lei, um direito do povo e uma obrigação do estado, aqui cabe um exemplo prático do que acontece quando a saúde é tratada como mercadoria. Em relato recente feito nas redes sociais, o famoso youtuber brasileiro Felipe Neto contou que, no ano passado, em uma viagem aos Estados Unidos, ele precisou de atendimento médico por conta de complicações decorrentes de um corte no pé. Na ocasião, o jovem pagou perto de R$ 5 mil pelos procedimentos. Como se não bastasse o custo inicial, na semana passada, Felipe recebeu nova cobrança: dessa vez, o “boleto” ultrapassou os R$ 12 mil. Lá, pasmem, é comum as pessoas perderem seus bens para quitar dívidas hospitalares por longos tratamentos, como o câncer.

Aqui, na nossa “aldeia”, há uma grande luta em defesa do SUS sendo praticada – e que merece reforço permanente – que é a mobilização pela abertura completa do Hospital Regional de Santa Maria. Após quatro anos da sua construção, o Regional segue funcionando com número reduzido de leitos e serviços. Para reforçar esse movimento, o nosso mandato parlamentar tomou a decisão, nesta semana, de autorizar a destinação de R$ 1 milhão ao complexo por meio dos recursos oriundos de emenda parlamentar que cada deputado tem direito de indicar no orçamento estadual para 2021.

Como vemos, o reconhecimento, fortalecimento, defesa e financiamento são primordiais para a existência e manutenção do SUS como o maior sistema público de saúde no mundo. Como já disse o médico Dráuzio Varela, o SUS é o que nos afasta da barbárie. Viva o SUS! Viva a saúde do povo brasileiro!

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)