Apenas 695 mulheres em situação de vulnerabilidade receberam auxílio gaúcho

A burocracia, os entraves e a falta de transparência do governo do estado na implementação do auxílio emergencial gaúcho foram os principais pontos debatidos em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa nesta segunda-feira, 23/8. Organizada de forma virtual pela Comissão de Economia do Parlamento gaúcho, presidida pelo deputado Zé Nunes (PT), a audiência foi solicitada pela bancada do PT e contou com a participação de parlamentares, produtores culturais, comerciantes e trabalhadores do setor de alimentação e representantes da sociedade civil que integram conselhos sociais. Logo na abertura da audiência, o deputado Valdeci Oliveira, que luta por ações estaduais de renda básica desde 2019, cobrou esclarecimentos por parte do Executivo e lembrou que, desde o dia 12 de maio deste ano, aguarda respostas sobre o pedido de informações encaminhado ao Palácio Piratini a respeito do auxílio emergencial. “Já faz quase 150 dias que (a lei) foi aprovada, e (o auxílio) não chegou para a maioria do público-alvo. Os desempregados e os microempreendedores sequer puderam realizar cadastro. Até o momento, o governo ignorou a nossa solicitação (de informações) e não respondeu a nenhum dos questionamentos. Cadê a transparência e o respeito à legislação estadual, que obriga o Executivo a prestar contas das suas ações ao Parlamento?”, criticou.

As únicas informações trazidas pelo governo estadual à audiência pública foram prestadas pela diretora de Assistência Social, Ana Duarte, que representou a Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos. A titular da pasta, Regina Becker, não compareceu, assim como nenhum outro secretário do governo, o que gerou muitas críticas dos participantes do encontro.  A manifestação rápida dela, de pouco mais de quatro minutos, foi suficiente para trazer à tona uma informação surpreendente e grave: dentro da categoria das mulheres chefes de família em situação de vulnerabilidade social do auxílio emergencial, apenas 695 mulheres sacaram os recursos. Quando o auxílio foi lançado pelo governador, no mês de abril, a previsão era atender 8.161 dentro dessa faixa. Ou seja, menos de 10% da meta foi atingida em quase cinco meses. “A situação era muito mais grave do que imaginávamos”, afirmou Valdeci ao saber da informação. Já os representantes do Banrisul afirmaram que, diante das legislações que normatizam o sigilo fiscal, não poderiam divulgar os dados do banco em relação às empresas beneficiárias do programa.

Durante a audiência, representantes dos setores incluídos no programa relataram a frustração com a iniciativa. “Centenas de empresas estão tendo seus pedidos indeferidos e os recursos negados”, afirmou a produtora cultural Juliana Barros, que explicou que os prestadores de serviços não possuem inscrição estadual, uma exigência que vem sendo feita pelo governo. “Foi frustrante, sem explicação até agora. O meu registro (CNAE) está regular e de acordo com as regras do auxílio, mas meu pedido foi negado”, relatou Sandro Barros, dono de uma lanchonete em Santa Maria. “Conheço mais de 30 empresas que tiveram solicitação indeferida. Ou é um governo mal-intencionado ou as pessoas responsáveis não sabem fazer os processos.”, protestou Marconi Voss, proprietário de uma empresa de sonorização.

Além das empresas, as pessoas mais pobres também encontram dificuldades, seja pela falta de informações ou pelo governo não realizar as buscas ativas. “Temos realizados conferências pelo interior e não temos conhecimento de que as mães estejam recebendo. Para as mulheres, são tantos os requisitos que elas não estão sendo beneficiadas”, alertou Maria Lopes, do Conselho Estadual de Assistência Social.

Considerando as exigências da lei estadual para as mulheres em situação de vulnerabilidade social, somente estão aptas a receber o benefício cerca 8 mil mulheres no estado inteiro, pois precisam ter no mínimo 3 filhos, residirem ao menos com 5 pessoas e não terem sido contempladas com auxílio do governo federal ou o Bolsa Família. O outro público previsto é formado por trabalhadores desempregados dos setores da alimentação, hospedagem e eventos e também para microempreendedores e micro e pequenas empresas desses mesmos setores.  “Para impedir que o projeto do Valdeci, muito bem feito e especificado, fosse votado, o governo colocou essa matéria do auxílio emergencial. Mas não paga. Durante a pandemia 47% das empresas reduziram funcionários, 20% das lancherias e bares fecharam e 70% estão endividadas. A rede de solidariedade dos pobres para ajudar os pobres está maior que as ações do governo que, com sua base aliada, não está se importando com a dificuldade das pessoas”, protestou o deputado Edegar Pretto.

Quanto ao diminuto número de mulheres mães de família em situação de extrema pobreza que acessaram os recursos, a assistente social e diretora da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho, foi taxativa: “Ter 695 pessoas contempladas num universo de 497 municípios é como procurar agulha em um palheiro. E isso é muito grave, pois o auxílio emergencial nacional cortou 1,2 milhão de beneficiários gaúchos”, afirmou ela. “Quando se lança um programa como esse é preciso se preocupar com a sua efetividade, se não se torna uma coisa enganosa”, opinou Zé Nunes, presidente da Comissão de Economia da Assembleia.

No final da audiência (ver lista abaixo), foi definida uma série de encaminhamentos, entre eles o acionamento do Ministério Público Estadual, do Ministério Público de Contas e a realização de reuniões emergenciais com o governador e os secretários envolvidos com o tema. “O governador do Estado tem que intervir pessoalmente neste tema. Até o momento, o resultado é vexatório. Só fatos políticos não bastam. É preciso ação concreta”, disparou Valdeci.

Luta pela Renda Emergencial
Valdeci, que tem liderado inúmeras ações para a efetividade da matéria, é autor do projeto de lei, apresentado no final de 2019, antes da pandemia, para a implantação no RS de uma política permanente de renda básica de cidadania direcionada às famílias em vulnerabilidade social. Com a crise sanitária instalada em março do ano passado, o parlamentar apresentou uma segunda proposta, essa com viés emergencial e já aprovada em duas comissões. Atualmente a matéria aguarda o aval da Comissão de Serviços Públicos há três meses. O projeto, inclusive, foi apresentado pessoalmente ao governador Eduardo Leite em audiência no Palácio Piratini, em fevereiro deste ano. Na ocasião, Valdeci indicou, inclusive as fontes de financiamento, os valores a serem pagos e o perfil das famílias a serem beneficiadas. Segundo a proposta, para bancar a medida não seria necessário sequer utilizar recursos do Tesouro Estadual, mas os do Fundo de Proteção e Amparo Social (Ampara/RS), que por lei deve ser aplicado em ações de nutrição, habitação, educação, saúde, segurança, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social. Na ocasião, o Fundo AMPARA contava com cerca de R$ 400 milhões em caixa e que poderiam ser utilizados no atendimento a mais de 800 mil gaúchos e gaúchas que vivem hoje abaixo da linha da pobreza.
 Outra sugestão de Valdeci ao governador foi a reativação do Fundo de Combate à Pobreza Extrema e Redução das Desigualdades Sociais, previsto na Lei N.º 13.862, que permite receber recursos oriundos das dotações do estado e contribuições e doações recebidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado.

ENCAMINHAMENTOS APROVADOS NA AUDIÊNCIA PÚBLICA
1. Moção de apoio para votação do PL 74/ 2020, da Renda Básica Emergencial;
2. Apresentação de PL que altera a legislação para poder pagar as empresas do simples e o acesso aos mais vulneráveis no auxílio emergencial gaúcho;
3. Reunião emergencial com os secretários envolvidos na execução do auxílio emergencial;
4. Reunião com Ministério Público de Contas e Ministério Público para relatar a gravidade dos fatos,
5.  Reunião com governador do Estado;
6. Encaminhar documento para a Bancada Nacional alertando sobre a situação dos microempreendedores individuais (MEIs) e do risco de cancelamentos de cadastros

Foto: Nilmar Lage/Brasil de Fato