A estrondosa derrota dos propagadores de mentira

Por Valdeci Oliveira –

Numa espécie de Nostradamus às avessas, as previsões – em bom português, fake news e terrorismo eleitoral – feitas pela extrema-direita e autoridades e lideranças políticas a ela ligadas, em relação ao que seria o terceiro governo do presidente Lula caso este vencesse as eleições, não se concretizaram. Aliás, era isso o esperado por quem possui um mínimo de responsabilidade com os fatos ou preza pela verdade.

Ao contrário do astrólogo, médico e vidente francês, que segundo seus seguidores teria previsto, no longínquo século XVI, muitos dos grandes eventos mundiais – o que gerou, contra e a favor, uma aura de curiosidade e paixão em torno de sua figura – os atuais profetas do ‘apocalipse lulista’ caíram no ridículo. Junto aqueles que acompanham e fazem política no dia-a-dia, ainda mais se estes têm acesso aos bastidores dela, o tom foi de chacota mesmo. E se considerarmos os acontecimentos que pouco a pouco têm vindo à tona, numa espécie de ‘eu sei o que vocês fizeram no verão passado’, fica até compreensível: cartões de vacinas falsificados, venda de refinaria de petróleo para fundo árabe abaixo do preço um mês antes do recebimento de milhões em joias, tentativa de golpe de estado. E, se acrescentarmos a isso os privilégios distribuídos aos ‘amigos do rei’ – nossa elite endinheirada viu sua renda triplicar no período entre 2019 e 2022 -, enquanto aos trabalhadores era dada, na melhor das hipóteses, a opção ‘emprego sem direitos”, a compreensão se transforma em revolta.

Dentro desse cenário de ‘previsões’ mal-intencionadas, em 2018, essa mesma turma afirmava que, com a derrota do então candidato Fernando Haddad, o dólar, que era cotado a R$ 4, cairia para menos de R$ 3. Mas se este vencesse, a moeda americana chegaria a R$ 5. Numa das mais sujas e violentas campanhas eleitorais que acompanhei, o hoje ministro da fazenda foi derrotado e, mesmo assim, o dólar ultrapassou a casa dos R$ 5. Para além da economia, o rol de afirmações mentirosas incluiu carro da marca Ferrari banhado a ouro, kit gay distribuído em escolas às nossas crianças e defesa do casamento entre pai e filha. Já em 2021, Paulo Guedes, então todo-poderoso “Posto Ipiranga” da economia nacional, afirmou categoricamente que se o PT viesse a ganhar a presidência no ano seguinte, o país viraria uma ‘Argentina em seis meses e uma Venezuela em um ano e meio’.

Passado pouco mais de um ano, não vimos o fechamento de igrejas, os banheiros públicos continuam a ser cada um para o respectivo gênero, ninguém perdeu ou teve de dividir a sua casa com outra família, não nos transformamos no nosso vizinho portenho e tampouco numa Venezuela. Muito pelo contrário. Todas as liberdades são garantidas, nenhuma instituição tem sido vítima de ataques oficiais. De concreto, e é isso que tem de ser avaliado, o que tivemos foi a volta de programas sociais importantes, PIB com crescimento acima das expectativas do próprio mercado, inflação sob controle, queda nos preços dos combustíveis e dos alimentos e volta das campanhas de vacinação. E com todos os direitos sociais garantidos, foram criados dois milhões de empregos com carteira assinada.

Mesmo assim, a depender de quem faz a ‘avaliação’, tais resultados devem ser creditados a ‘antiga direção’, pelo presidente Lula não cumprir aquilo que se prontificou a fazer (pois se tivesse conseguido estaríamos no caos) ou, mais engraçado, por Lula ser um baita sortudo.

Na verdade, tudo isso não chega a ser novidade. A diferença é que agora há um recrudescimento do ódio, este amplificado pelo alcance das redes sociais e dos aplicativos de troca de mensagens. Na eleição de 1989, vencida por Collor de Mello (não por coincidência lastreado por estas mesmas forças político-sociais), seus apoiadores iam de casa em casa para “alertar” os eleitores de que, se Lula saísse vitorioso, poderiam dar adeus ao lar. Mario Amato, então presidente da Fiesp, a toda poderosa federação das indústrias do estado de São Paulo, chegou a dizer, em reunião com mais de uma centena de grandes empresários, que 800 mil deles teriam de ir embora do país caso o metalúrgico subisse a rampa do Planalto. Três décadas depois, a história se repetiria e, novamente, como farsa: empresários diziam que deixariam de investir, que reduziriam seus quadros de funcionários ou a que fechariam suas portas caso Lula vencesse o pleito, numa reedição do antigo voto de cabresto. Prefeitos fizeram o mesmo junto a fornecedores e servidores públicos.

Lula venceu e até onde tenho notícia, nenhum carimbou seu passaporte rumo ao exílio voluntário, baixou as portas de seu negócio ou algum gestor teve as contas de seus municípios depauperadas.

Dito isso, fiquemos alertas, pois um novo pleito se avizinha e não faltarão grupos políticos a profetizar o caos, a atacar os oponentes abaixo da linha da cintura, a criarem fatos que não resistem a uma mínima prova de autenticidade e a dizer que o apocalipse estará próximo se este ou aquele ganhar legitimamente nas urnas.

Estejamos preparados. E vacinados. Exemplos não faltam.

Imagem: Shutterstock