Nunca apagarei da memória uma cena emblemática vivenciada quando fui prefeito de Santa Maria. Ao participar da inauguração do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Rejane Garcia Gervini, na Vila Severo, observei que entre os alunos e alunas matriculados estava uma senhora de idade bem avançada. Ao conversar com a estudante mais experiente da turma, ela me revelou, sem rodeios, o nobre motivo que fez ela retomar os estudos depois de muitas décadas afastada dos livros: o desejo de se alfabetizar para ler a Bíblia.
Este pequeno exemplo, registrado poucos anos atrás, mostra o quanto a nossa sociedade precisa trabalhar para corrigir a dívida histórica que possui com seus cidadãos e cidadãs mais experientes. Há 10 anos, a luta por mais dignidade e respeito aos idosos ganhou um grande alento com a instituição do Estatuto do Idoso. De autoria do companheiro e senador Paulo Paim e sancionada pelo presidente Lula, a Lei 10.741/2003 rompeu inegavelmente com um ciclo de décadas de inércia ao consolidar direitos, estabelecer infrações, tipificar crimes e ao definir órgãos e instituições de apoio à pessoa idosa. Se hoje os setores públicos, os bancos e as instituições de saúde priorizam o atendimento aos idosos, isto é mérito do Estatuto. Se hoje, os idosos têm garantias previdenciárias, jurídicas e de acessibilidade que não tinham antes, é mérito da legislação. O que não é justo é tentar imputar ao Estatuto a responsabilidade pela resolução de todo o déficit de atenção e proteção que dedicamos à terceira idade ao longo de anos e anos. O Estatuto representa uma progressão considerável, mas não definitiva na dura escalada que temos que fazer.
Nesta busca por mais dignidade à pessoa idosa, reforço as palavras sempre esclarecedoras do amigo e professor José Francisco Silva Dias, o professor Juca, santa-mariense que é uma referência nacional no estudo do envelhecimento: a luta pela cidadania do idoso é para ontem. Nesse sentido, não podemos entender como padrão a imagem da terceira idade faceira e consumista, que nós é transmitida pelas novelas. Temos muitos idosos carentes, pobres, abandonados que definitivamente não estão na melhor idade. Há muitos idosos que ainda morrem atropelados em cima de faixas de segurança ou que tem dificuldades para adquirir os medicamentos necessários para a sua saúde.
Como um dos vereadores que subscreveu a lei que instituiu o Conselho Municipal do Idoso (Comid) de Santa Maria e como o prefeito que criou, entre outras ações, o Fundo Municipal do Idoso (Fumid) e apoiou a instalação da Delegacia do Idoso, quero me integrar cada vez mais nesta mobilização. Tudo o que foi feito ainda é pouco. Precisamos de mais proposições e principalmente ações. De forma contundente, o Estatuto do Idoso trouxe o alerta: estamos envelhecendo cada vez mais (número de brasileiros acima de 65 anos deve praticamente quadruplicar até 2060, segundo o IBGE); carecemos, portanto, de condições, estrutura e políticas para uma vida digna e com o máximo de autonomia e acessibilidade. Nas próximas semanas, provavelmente ainda neste mês, vamos convidar a comunidade santa-mariense para debater, conosco e com o senador Paulo Paim, os 10 anos do Estatuto do Idoso. Muito mais do que comemorar os avanços, queremos projetar e articular coletivamente novas conquistas para, de fato, construirmos uma sociedade verdadeiramente amiga e respeitadora dos idosos.
*Artigo do deputado Valdeci Oliveira publicado no Jornal A Razão em 03/10/2013
Assista o comentário do deputado Valdeci sobre o tema:
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