Artigo – A sociedade tem que abraçar a Campanha “Vacina é prevenção!”

Por Valdeci Oliveira –

Difícil elencar o mais sério dos problemas trazidos pela pandemia. Dependendo do grau de riqueza dos países, do nível de negacionismo quanto à seriedade do problema e as medidas adotadas, os percalços variam. Mas tem uma, dentre essas inúmeras variáveis, que tem mostrado a diferença entre permanecer ou não refém da moléstia. E ela atende pelo nome de vacina. A questão aqui é que a única resposta que temos em busca do retorno do que conhecíamos como normal possui inúmeras facetas e exige inúmeras respostas.

Fosse a vacinação contra a covid-19 nossa única tarefa, esta já seria hercúlea, considerando a disputa mundial por insumos e a inércia do governo federal na sua aquisição, que jogou o país para o fim da fila e no atraso na aplicação.

Mas existe um ponto não menos fundamental, que é a imunização contra outras doenças no país. Há seis anos, a cobertura vacinal nacional vem caindo, e, pelo menos desde 2018, o Brasil não atinge as metas. No caso do sarampo, então erradicado, perdemos a certificação da Sociedade Pan-americana de Saúde diante dos mais de 18 mil casos. O mesmo ocorre com o HPV, presente em quase 100% dos casos de câncer de colo do útero, e com a febre amarela.

É até compreensível que todas as atenções se concentrem contra o inimigo número 1 do planeta, principalmente em se tratando do cidadão e cidadã médios. Mas governos e autoridades públicas não podem se dar a esse luxo. E sequer há desculpa para isso, pois o Brasil, apesar das suas mazelas sociais, possui um programa de imunização (PNI) considerado referência mundial. Fomos os primeiros na incorporação e disponibilização de diversas vacinas para uso da população, todas gratuitas e presentes no SUS.

Apesar do PNI ser um programa de Estado e não de governo, ele depende do segundo para funcionar a pleno. E quando há menosprezo e incapacidade deste, a experiência dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde pública fica comprometida.

E sendo a economia um dos argumentos utilizados por aqueles que negam a dimensão do problema, levantamento realizado pela Universidade Johns Hopkins (EUA) junto a 94 países, aponta que para cada US$ 1 utilizado em vacinas houve uma economia de outros US$ 16, pois imunização substitui atendimento e internações médicas. E a Organização Mundial de Saúde (OMS) comprovou que o índice de mortalidade das doenças preveníveis caiu mais de 90% em todo o século 20 a partir do desenvolvimento e aplicação de vacinas. Mas o Brasil tem andado para trás e perdeu, inclusive, o certificado de erradicação do sarampo em 2019 – em função dos 18 mil casos apresentados – concedido a nós pela Organização Pan-Americana de Saúde em 2016.

E o RS está inserido neste preocupante quadro de falta de compromisso público. Aqui, entre janeiro de 2019 e junho de 2020, foram confirmados 138 casos de sarampo, 80% em não vacinadas ou com falhas na cobertura. No ano passado, a vacinação contra a poliomielite atingiu 82,9% e não os 95% projetados. No final de abril, o estado foi declarado em situação de emergência em saúde pública por conta da febre amarela.

Nos preocupa o fato de que após 14 meses de pandemia, período em que o termo vacina ganhou relevância e exposição em todos os meios de comunicação, não houve sinal na mudança dessa realidade. Se em 2015, em termos nacionais, a tríplice viral alcançou 96% do público-alvo, em 2020 ficou em 70%. A de hepatite B caiu de 90% para 54%. A lista, como a queda, é grande. Se analisarmos alguns cenários pretéritos, isso era esperado. Somente a PEC 95, a chamada PEC da Morte, aprovada no governo de Michel Temer, só nos três primeiros anos retirou R$ 22, 5 bi da saúde.

Campanhas de vacinação são tímidas, inexistentes. A própria figura do Zé Gotinha foi ressuscitada só para deslegitimar a percepção de que o governo federal estava mandando às favas a importância da vacina contra a covid-19. Temos ainda as manifestações públicas feitas pela maior autoridade da República – repetida por um séquito insano – colocando em xeque eficácia dos imunizantes, disseminando a dúvida na população e cristalizando opiniões que sugerem, entre outros absurdos, mutação no DNA, infertilidade e demência.

Pela relevância do momento e com o slogan ”Vacina é prevenção”, o Conselho Regional de Farmácia do RS, juntamente com outras entidades, procura chamar a atenção para o tema na Semana Estadual do Uso Racional dos Medicamentos, lei por nós criada em 2014 e que busca trabalhar a conscientização sobre o assunto. Por serem medicamentos, as vacinas são estratégicas para o cuidado em saúde das populações. Se fecharmos os olhos a isso, o sistema público de saúde, que será novamente pressionado pela necessidade de tratamento de milhões de casos relacionados às sequelas deixadas pelo novo coronavírus, pouco poderá fazer.

Vacina é vida e precisa ser pauta onipresente, contar com o apoio dos governos e sua disponibilidade ser sistematicamente cobrada e defendida pela sociedade.

A sociedade tem que abraçar a Campanha “Vacina é prevenção!”

*Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br