Audiência discute os impactos e as alternativas da judicialização das demandas da saúde

A Comissão Especial sobre a Sustentabilidade Financeira do SUS da Assembleia Legislativa realizou, na noite de quarta (5), uma audiência pública para discutir os impactos e as alternativas da judicialização das demandas da saúde. A atividade, realizada no Plenarinho da AL, reuniu representantes do governo do Estado, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Conselho de Secretários Municipais de Saúde do RS (Cosems), entre outros.

A audiência pública foi coordenada pelo deputado Valdeci Oliveira (PT), que destacou a importância de refletir sobre a judicialização na saúde e sobre o que chamou de desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). “Se nada for feito, teremos cada vez menos saúde pública e saúde qualificada, se é que teremos saúde pública nos moldes que defendemos”, declarou.

Ao final da audiência, o parlamentar informou que as atividades da comissão especial devem terminar no mês de maio. A ideia, conforme declarou, é realizar um seminário de encerramento dos trabalhos para finalizar a discussão sobre os temas pertinentes ao órgão técnico.

MANIFESTAÇÕES – O secretário estadual de Saúde, João Gabbardo dos Reis, apresentou números que mostram o impacto da judicialização para o Estado. Conforme ele, em 2016, foram aplicados R$ 210 milhões na área da Saúde para atender aproximadamente 61 mil pacientes com demandas de medicamentos, enquanto administrativamente foram atendidos 230 mil usuários, com investimento de R$ 82 milhões. Ele também informou que o Estado utiliza, mensalmente, R$ 600 milhões para realizar os repasses a prefeituras e hospitais que obtiveram decisões judiciais neste sentido.

“Quando a gente pensa que esse atendimento de um indivíduo, que recebe um determinado valor, é um ganho, é um benefício, é um direito que estamos atendendo, nós não podemos esquecer que a compra desse medicamento vai significar a não compra de um outro conjunto de medicamentos para outros pacientes. Porque quando se tem uma decisão judicial, ela não faz com que o orçamento cresça, o orçamento não é elástico”, afirmou.

Gabbardo disse ser favorável a ações em que o paciente solicita um medicamento que consta na lista do Ministério da Saúde e que, por algum motivo, o Estado não tem para oferecer naquele momento. Para ele, tais ações são justas e o Estado não deveria recorrer. No entanto, não é favorável às ações, que correspondem a 60% daquelas ajuizadas, que dizem respeito ao fornecimento de medicamentos fora da lista pública.

O secretário ainda comentou os resultados positivos, com a redução da judicialização, do trabalho conjunto realizado entre o Estado, Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça e Famurs, através do Comitê Executivo Estadual da Saúde. Entre as ações realizadas, disse que se começou a dar acesso ao sistema de saúde à Defensoria Pública.

Também criticou a interferência do Poder Judiciário no sistema de regulação, quando, por exemplo, um paciente que aguarda leito na UTI, por decisão judicial, passa na frente dos demais. “Essa fila não pode ser alterada por ninguém. Não podemos sofrer interferência de qualquer pessoa neste sentido. Só quem pode alterar a fila são os médicos reguladores por questões de gravidade”, defendeu.

 

O desembargador Martin Schulze, coordenador do Comitê Executivo Estadual da Saúde, falou sobre a instituição do órgão, em 2010, que reúne integrantes dos sistemas de saúde e de justiça. Na época, segundo ele, das 240 mil ações com demandas da saúde ajuizadas no país, a metade era no RS. E, naquele momento, 92% das ações eram deferidas.

O objetivo do Comitê, conforme explicou, foi reduzir a judicialização, sem restringir o atendimento à população. Atualmente, de acordo com Schulze, houve um crescimento do atendimento na Defensoria Pública em relação a demandas na área da saúde. No entanto, apenas 12 a 13% do que é atendido vira efetivamente uma ação, já que outras alternativas são esgotadas antes de se buscar o auxílio da Justiça para obter um medicamento ou a realização de um exame, por exemplo. A busca de uma resolução administrativa é uma delas.

Sobre as ações de hospitais que buscam na justiça o repasse em dia do Estado, o desembargador avaliou no mesmo sentido que o secretário Gabbardo havia se manifestado em relação ao atendimento de um direito individual em detrimento do coletivo. “Nessa situação a gente está beneficiando 54 hospitais em prejuízo de todos os outros porque não se tem uma transparência nessas informações”.

A Defensoria Pública do Estado foi representada pela defensora pública Regina Célia Rigon Borges de Medeiros, dirigente do Núcleo de Defesa da Saúde da instituição. Ela informou que, até 2011, o entendimento institucional da Defensoria era o ajuizamento de ações em que o paciente apresentasse a prescrição médica, sem que se buscasse informações sobre o atendimento administrativo para a obtenção do medicamento ou tratamento. Com a criação do Comitê Executivo Estadual da Saúde, esse entendimento mudou, também pelo acesso que se teve ao sistema da Secretaria da Saúde e a informações relativas à regulação hospitalar. Agora, conforme a defensora, só são ajuizadas ações quando o autor não consegue resolver a demanda administrativamente.

Ela informou que a maior demanda entre os que procuram o atendimento para obtenção de medicamentos (71% do total) está na busca daqueles que não são fornecidos pela rede pública, ainda que a prescrição seja de médicos que integrem o sistema público de saúde. “Por que esses medicamentos foram prescritos e por quem?”, questionou.

Em relação à manifestação do secretário Gabbardo sobre os direitos individuais e coletivos, Regina lembrou que a função da Defensoria Pública é prestar atendimento jurídico a quem não pode constituir um advogado e que é levado em conta o direito do assistido que tem assegurado, constitucionalmente, o direito ao acesso à Justiça e o direito à saúde.

O secretário da Saúde de Palmeira das Missões, Paulo Fernandes, que também integra o Cosems, apresentou a realidade dos municípios. Segundo ele, é o local onde os pacientes procuram diretamente o secretário ou o prefeito para resolver suas demandas de saúde. Demonstrou preocupação em relação ao que é reponsabilidade dos Municípios e o que é do Estado e falou sobre o dia a dia dos gestores municipais de saúde nas questões relativas à judicialização na busca de medicamentos, exames especiais, consultas e cirurgias especializadas, saúde mental e leitos em UTI.

Também participaram integrantes do Conselho Regional de Farmácia, secretários municipais de saúde, representantes de hospitais e entidades da área da saúde.

 

                CRONOGRAMA – A próxima audiência pública da comissão ocorre na sexta-feira (7), na Câmara de Vereadores de Novo Hamburgo. Os debates sobre a crise na saúde e seus impactos sobre as administrações municipais já foram realizados também em Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Caxias do Sul, Rosário do Sul, Erechim e São Luiz Gonzaga.

Na Assembleia Legislativa, a comissão já realizou outras três audiências públicas, que tiveram como tema a evolução do financiamento do SUS; as perspectivas do financiamento sustentável do SUS, na visão dos Estados e Municípios; e as alternativas para a sustentabilidade do SUS na visão da sociedade civil.

(Texto: Letícia Rodrigues/ Agência de Notícias da ALRS – foto: Tiago Machado/ gabinete do deputado Valdeci Oliveira)

———————————